Foi exatamente um ano atrás, em outubro de 2012, no meio da realização do Congresso SAE, que o governo publicou o Decreto 7818, que regulamentou as obrigações e os incentivos fiscais do Inovar-Auto, a política industrial que pretende trazer investimentos no desenvolvimento do setor automotivo nacional. Passados 12 meses, mais de 20 empresas se habilitaram a cumprir o programa para receber descontos tributários, mas nenhuma, de fato, efetivou os investimentos esperados em novas tecnologias ou aumento de compras locais. Isso porque todas as montadoras estão fazendo contas (muitas contas), em meio à complexidade da legislação, para saber se os gastos de introdução desses sistemas poderão ser compensados pelos benefícios do Inovar-Auto. Esse dilema ficou bastante claro nos painéis de debates do primeiro dia do 22º Congresso SAE, evento que reúne representantes da engenharia automotiva no Brasil (de 7 a 9 de outubro no Expo Center Norte, em São Paulo).
“Estamos montando uma verdadeira fábrica de relatórios”, definiu Gilmar Laignier, responsável pelo recém-criado departamento dentro da Fiat no Brasil especialmente para tratar dos assuntos ligados ao Inovar-Auto, que conta inicialmente com seis engenheiros na área, mas deverá recrutar muitos outros especialistas alocados em diversos departamentos da empresa, como a engenharia de produção. “Todos os novos investimentos deverão passar pela nossa área, para saber como classifica-los e enquadrar os gastos nas exigências de aplicação de pesquisa, desenvolvimento e engenharia do programa”, explicou, durante o painel Engenheiros-Chefe, que tratou das soluções para atingir as metas postuladas pela política industrial.
O caso da Fiat exemplifica tudo que o Inovar-Auto criou até agora: forças de auditoria para analisar custos e benefícios. “Muitas pessoas nem vão conseguir produzir os relatórios de forma correta. Existe muita complexidade para classificar e enquadrar os investimentos”, justifica Laignier.
Ninguém duvida que o Inovar-Auto trará investimentos em adição de tecnologia, especialmente para cumprir as metas mandatórias de melhoria de eficiência energética até 2017, mas a complexidade legal do programa é tamanha que torna sua implementação lenta, talvez em velocidade insuficiente para atingir todos os objetivos propostos em apenas mais quatro anos. “As soluções para aumentar a eficiência energética já existem, mas nós fornecedores dependemos das montadoras, estamos à espera da decisão delas”, destacou no mesmo painel Anderson Citron, diretor de engenharia da divisão de powertrain da Continental Brasil. “Estamos no limite do tempo para tomar certas decisões. Para atender as metas de eficiência é preciso que os carros (com as novas tecnologias) estejam homologados até outubro de 2017. Para introduzir sistemas como injeção direta de combustível para trabalhar com etanol muitos meses de testes deverão ser feitos. Portanto, os quatro anos que faltam não são tanto tempo assim”, alerta.
ESTRATÉGIAS
Cada montadora adotará uma estratégia diferente para atingir as metas do Inovar-Auto e conseguir benefícios fiscais adicionais – caso de quem superar os objetivos de eficiência energética, que poderá ganhar entre um e dois pontos porcentuais de desconto no IPI, e para aquelas empresas que superarem as exigências de investimento em pesquisa, desenvolvimento e engenharia, que podem obter mais dois pontos extras de abatimento no imposto.
“Criamos grupos estratégicos na empresa para fazer do Inovar-Auto um negócio. Vamos tentar superar as metas de eficiência, mas sabemos que é difícil com a nossa gama atual de motores”, afirma Pierre-Jean Montanié, diretor de engenharia da Renault no Brasil, um dos participantes do painel de engenheiros-chefe do Congresso SAE. “Também queremos obter os benefícios ligados aos investimentos em pesquisa e desenvolvimento, por isso tentamos agora criar essa equipe aqui, que ainda não temos, além de fazer parcerias com universidades e fornecedores”, revela. Ele estima que deverá crescer em cerca de 10% o contingente atual de 580 engenheiros contratados no País. “Estamos calculando quanto precisamos gastar para obter os incentivos do programa para apresentar uma proposta de investimentos à matriz na França.”
Segundo Montanié, a ideia é adquirir capacidade de desenvolvimento de produtos no Brasil, algo que a Renault ainda não tem, apesar de operar no País há 15 anos. “Já temos capacidade de manufatura e adaptação de produtos. Agora vamos buscar na matriz delegação para desenvolver peças. O próximos passo é sediar no Brasil um centro de competência para motores flex fuel e técnicas da cadeia de plástico, que é uma atividade muito importante para o setor. Por fim, o sonho é poder desenvolver um carro completo aqui”, explica.
SOLUÇÕES
Para atingir as metas de eficiência energética do Inovar-Auto, parece senso comum a adoção de turboalimentação e injeção direta de combustível, mas são sistemas que encarecem o veículo e, portanto, deverão ser introduzidos primeiro nos modelos de topo do gama. Montanié diz que apenas a adoção do turbo permite uma economia de 11% com a redução de um motor 1.6 para 1.2 com a mesma potência. A combinação de turbocompressor com injeção direta aumentaria a eficiência para 15%. “Vamos fazer pesquisas para saber o que podemos cobrar do consumidor e o que vamos deixar dentro de casa porque ele não aceitaria pagar mais. Por isso acredito que esses sistemas sejam incorporados primeiro em carros acima de 140 cavalos de potência”, calcula.
Mas há soluções mais baratas que devem vir antes de sistemas mais sofisticados. “O mais fácil é adotar primeiro pneus verdes (com menor resistência ao rolamento), ou mesmo instalar um indicador eletrônico de troca de marchas para avisar ao motorista o melhor tempo. Também não podemos esquecer o uso de materiais leves para redução de peso”, indica Montanié. “Adoção de turboalimantação e injeção direta deve ter escala lenta no País”, concorda Anderson Citron, da Continental.
“Estamos fazendo um estudo veículo a veículo, para encontrar soluções com custo razoável para cada modelo”, confirmou Alexandre Gimarães, diretor de engenharia elétrica, infoentretenimento e software da General Motors do Brasil, que mais cedo participou do painel Veículos Leves – Como as Montadoras e Sistemistas Qualificam a Engenharia Brasileira para Operar no Cenário Global. “Qual a melhor cesta de equipamentos? Não existe, depende do nível de cada carro. Precisamos de soluções locais. Por exemplo, a adoção de direção elétrica aqui ainda não é viável economicamente”, avalia.
“A maioria das soluções tecnológicas já existe na Europa, mas o Brasil vai precisar de atenção para adaptar sistemas às condições locais, como por exemplo a injeção direta de combustível com etanol (que requer maior pressão)”, destacou Jochen Walther, gerente de desenvolvimento de sistemas da Bosch na Alemanha, após mostrar em sua apresentação soluções já desenvolvidas que vão desde a melhoria térmica dos motores a combustão interna, passando pela eletrificação de sistemas, até o carro 100% elétrico.
“Hoje precisamos adaptar o que temos para depois projetar novos produtos com as soluções mais modernas”, pontuou Antonio Carnielli, gerente executivo de desenvolvimento de produto da Volkswagen do Brasil, participante do mesmo painel, que comentou sobre os desafios para se globalizar a indústria automotiva nacional. “O problema é que nosso parque industrial não está pronto para o Inovar-Auto. O custo desses sistemas aqui é muito alto em comparação com outros mercados”, reconhece.
Para Laignier, do departamento de Inovar-Auto da Fiat, primeiro o consumidor deverá valorizar mais a economia dos carros do que equipamentos de segurança. “Em breve isso pode mudar. Ainda é oneroso fabricar aqui veículos tão seguros quanto os da Europa, mas com o tempo essa exigência também deverá chegar ao consumidor brasileiro.”
PEDRO KUTNEY, AB
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