O dia 8 de março representa muito mais do que uma data regada a flores, champanhe e bombons. É um marco histórico e simbólico na luta pelos direitos das mulheres. É o momento de reafirmar o combate à violência de gênero e ao preconceito, à exclusão e ao machismo. Essa luta deve ser constante, deve prevalecer durante todos os dias.
Tal luta ajuda a mudar panoramas como o do setor do transporte rodoviário de carga, onde as mulheres ainda são minoria. Isso também acontece em outras áreas, como a engenharia e aviação. As mulheres que ingressam em algumas carreiras, ainda sofrem com o preconceito daqueles que não acreditam na sua capacidade de ocupar posições antes dominadas apenas pelos homens.
Mas as mulheres também têm suas habilidades subestimadas desde muito cedo. É só perceber como a nossa sociedade educa meninos e meninas de formas diferentes, delegando a estas funções muitas vezes mais intuitivas, de cuidado, de ensino e de sociabilidade. Não é raro vermos meninos ganhando brinquedos que estimulam seu raciocínio lógico, sua capacidade criativa e motora, como Legos, blocos e instrumentos musicais, enquanto as meninas são presenteadas com diários, maquiagem, bonecas e casas de brinquedo.
Essa diferenciação de acesso a recursos, estímulos e meios de desenvolvimento educacional, se reflete na vida adulta das mulheres que, ao optarem por uma carreira profissional, não se sentem qualificadas para exercer determinadas funções, como as citadas anteriormente.
Foi o que aconteceu com Solange Beraldes, caminhoneira há 13 anos. Segundo ela, quando decidiu entrar para o setor do transporte rodoviário de cargas, precisou combater o próprio preconceito. “Na minha cabeça trabalhar com caminhão era coisa de homem. Aí como eu vi a empresa recrutando mulheres eu pensei que seria um desafio pra mim. Com o tempo eu mesma fui combatendo esse preconceito e hoje é muito tranquilo”.
O sentimento de Solange em relação à sua capacidade reflete, portanto, uma sociedade que muitas vezes contribui para que a mulher se sinta incapaz de exercer determinadas funções. Isso é o resultado de uma cultura que apresenta os homens como seres mais capazes e habilidosos para determinadas tarefas, enquanto que as mulheres ficam restritas a outras.
Ao partir desse pressuposto, nossa cultura, nosso sistema educacional, a nossa mídia tradicional, e, consequentemente, nosso mercado de trabalho, exclui as mulheres do seu direito de exercer o que bem entender, duvidando de suas habilidades e, pior, deixando de estimular suas potencialidades.
Felizmente, esse quadro tem dado sinais de mudança. Solange trabalha na Braspress, a principal transportadora de carga fracionada no país. A empresa é pioneira na contratação de mulheres e começou um programa de treinamento específico para elas, já que na época não havia caminhoneiras para contratação. Tudo isso começou em 1999 e atualmente, a empresa conta com 1.555 profissionais do sexo feminino, sendo que 158 ocupam o cargo de motoristas.
De acordo com Giuseppe Coimbra, Diretor Administrativo Financeiro, as mulheres mostram, além de competência, maiores cuidados com o veículo colaborando para a manutenção dos caminhões. “Com elas no volante, tivemos redução no número de acidentes, além do que elas demostram mais carinho com o equipamento. Elas se diferenciam em vários aspectos, por exemplo, o trato com o cliente, o que faz com que eles sejam muito mais receptivos com as caminhoneiras. Outro ponto é que elas mostram maior educação no trânsito e com os colegas de trabalho”, afirma.
Coimbra conta ainda que a presença de mulheres causou uma mudança de comportamento dos ajudantes, refletida na grande redução do consumo de álcool entre eles. “As mulheres acabaram por conduzir esses ajudantes, exigindo que eles efetivamente cumprissem com seu trabalho”, disse o Diretor Administrativo.
Ao serem gestoras de sua própria rotina, as caminhoneiras da Braspress se diferenciaram ainda pela sua pontualidade, objetividade e direção defensiva. “Fizemos um levantamento, desde que começamos a empregar as mulheres para dirigir os caminhões, e tivemos uma redução drástica de acidentes, de custos com funilaria e manutenção em geral”.
Essa pesquisa, portanto, joga no lixo o jargão preconceituoso e machista que alega que “mulher no volante, perigo constante”, mostrando justamente o contrário, que mulher no volante, é sucesso constante.
A profissão de caminhoneira também impõe algumas dificuldades. Solange, que já fez entregas pela região sul, alegou que a maior delas é o acesso a uma infraestrutura rodoviária que contemple as mulheres. “Os postos e pontos de parada não oferecem banheiros, por exemplo, para as mulheres. E esse é um problema que afeta a todos os trabalhadores da estrada. Os caminhoneiros, homens e mulheres, precisam de um maior acolhimento”, denunciou.
Solange é casada, tem três filhas e conta com o apoio da família para exercer sua profissão. Na entrevista realizada por Chico da Boleia, este perguntou a Solange como as filhas encaram a sua profissão. A caminhoneira afirmou que elas vêm isso com toda a naturalidade, apoiando e, inclusive, se interessando pela sua rotina. Seu caso, porém, é uma exceção, já que, conforme conta, ainda é pequeno o número de mulheres que atua como caminhoneira.
Com todo o acesso a informação, nosso país ainda não conseguiu ultrapassar a barreira do preconceito. Em 2012, o engenheiro Jeferson Jaime Cassoli, ao saber que o voo 5348 da Trip era comandado pela piloto Betânia Porto Pinto, se recusou a continuar dentro do avião. Ao ser retirado da aeronave, Cassoli levou uma vaia dos passageiros, mas teve a audácia de registrar um boletim de ocorrência.
Nós, do Chico da Boleia, esperamos que não existam mais “Cassolis” por ai, porque desde sempre acreditamos que mulheres e homens têm as mesmas potencialidades e merecem as mesmas oportunidades de educação e trabalho. Assim, apoiamos as mulheres caminhoneiras e acreditamos que com um esforço conjunto, podemos romper o preconceito e eliminar, de uma vez por todas, o machismo e as desigualdades de gênero. Quando uma mulher avança, nenhum homem retrocede!
Redação Chico da Boleia
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