Segundo consultoria logística, dependência das estradas aumenta ano a ano
Os protestos de caminhoneiros no início do mês paralisaram estradas em mais de dez Estados, comprometendo o transporte e o abastecimento de produtos em algumas cidades do País. Os bloqueios evidenciaram a dependência do Brasil do transporte rodoviário, que cresce a cada ano, apesar de ser seis vezes mais caro que as ferrovias.
Em 2012, 67% da carga transportada pelo Brasil foi movimentada por rodovias (1,064 bilhão de toneladas por quilômetro), enquanto 18% passaram por ferrovias (298 bilhões de toneladas por quilômetro). Os dados são da pesquisa Custos Logísticos no Brasil, divulgada em 2013 pela empresa de consultoria logística Ilos.
Em 2006, as rodovias respondiam por 65% do transporte, enquanto as ferrovias tinham mais de 20%.
Segundo especialistas, a dependência das rodovias é até maior do que os números mostram. “Se você tirar o minério de ferro do total das cargas transportadas [por ferrovias], então o total transportado via caminhão vai para 78%”, diz o economista Josef Barat, ex-diretor da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).
— O Brasil é o único País onde predomina o caminhão.
Dentre os países com dimensões continentais, o Brasil é o único que decidiu “encurtar as distâncias” por meio das rodovias. Os Estados Unidos, que, sem considerar o Estado do Alaska, é menor do que o Brasil, têm uma malha ferroviária sete vezes maior: são 228 mil km contra 29 mil km no Brasil.
França, Alemanha e Índia, cujas áreas são menores que a do Brasil, também possuem malha mais desenvolvida. Hoje, o Brasil tem a mesma quantidade de ferrovias que em 1922 (veja mais ao final).
O estudo do Ilos ainda mostra que, para transportar mil toneladas de carga em uma ferrovia brasileira, é preciso gastar R$ 43 por quilômetro. Já nas rodovias esse valor é de R$ 259 — seis vezes mais.
Com isso, os custos com transporte estão aumentando no Brasil, alcançando 11,5% do PIB (Produto Interno Bruto, que é a soma das riquezas de um país) em 2012 — considerando gastos com transporte, estoque, armazenamento e administrativo. Nos EUA, esses custos equivalem a 8,7% do PIB.
Série de erros
Segundo o diretor-geral do Ilos e professor aposentado da UFRJ Paulo Fleury, o crescimento da economia nas duas últimas décadas ampliou os locais de produção, “aumentando o volume e as distâncias do transporte”. Mas como a malha ferroviária não ampliou sua oferta, a tarefa de escoar a produção coube ao transporte rodoviário.
— É muito mais fácil e barato construir rodovia do que ferrovia. Foi o que aconteceu. As ferrovias foram minguando e as rodovias foram crescendo sem concorrência. Não foi uma questão de escolha. Não houve escolha nenhuma, foi má gestão.
Fleury lista uma sucessão de erros que afastou a ferrovia da realidade brasileira, como as privatizações “sem planejamento” da década de 1990.
— A rede ferroviária era federal [antes das privatizações], mas dava R$ 1 bilhão de prejuízo. Então, a ferrovia minguou com a falta de investimentos. Em 1994 e 1995, eles quebraram a malha em seis pedaços e privatizaram a rede. Mas foi uma decisão errada. A rede acabou ficando sem conexão, se tornaram ilhas isoladas. Foi um erro do planejamento da privatização.
Hoje, diz, o governo tem garantido investimentos, mas as obras estão todas atrasadas por problemas de gestão, como a troca de construtoras, alterações de projeto e dificuldades para se fazer desapropriações.
— O investimento foi feito, mas foi mal gerenciado. Atrasou tudo. A ferrovia Norte-Sul [que teve um trecho inaugurado em 2014] era para ficar pronta há quatro anos. Outros projetos também estão paralisados.
E daqui para frente?
Entre 2011 e 2014, foram concluídos 913,7 km de ferrovias, segundo o Ministério dos Transportes. A principal entrega foi a do trecho da FNS (Ferrovia Norte-Sul) que vai de Palmas (TO) a Anápolis (GO). Esse pedaço ficou pronto em maio do ano passado, mas começou a operar comercialmente no fim de fevereiro deste ano.
Iniciadas na década de 1980, as obras foram retomadas só em 2007, durante a gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A promessa inicial era entregá-la até 2010.
O outro trecho em construção dessa ferrovia vai de Ouro Verde (GO) a Estrela D’Oeste (SP), que deveria ter sido entregue no ano passado, mas tem previsão agora para dezembro de 2015.
A outra ferrovia atualmente em construção é a Fiol (Ferrovia Integração Oeste-Leste), que tem 1.527 km de extensão em três trechos, saindo de Ilhéus (BA), passando por Caetité (BA) e Barreiras (BA) até chegar a Figueirópolis (TO), onde vai se interligar com a FNS. A obra está prevista para ser entregue até o fim de 2016.
Os dois trechos da FNS consumirão ainda R$ 3,4 bilhões, segundo a Valec, correspondente a contratos vigentes até o final das obras. Já a obra da Fiol custará ainda R$ 4,5 bilhões. Ao ser questionada sobre o custo total dos empreendimentos, a assessoria da Valec disse que não é possível calcular os montantes.
Para o professor de engenharia mecânica da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) Fernando Marques, pelo tamanho do Brasil, é preciso investir ainda mais.
— O governo tem feito alguns investimentos na área, inclusive com a ferrovia Norte-Sul, a Oeste-Leste, mas ainda é pouco pelo tamanho do País. Porque não adianta só ter malha, você tem que ter infraestrutura. É preciso construir terminais adequados. É preciso ter estrutura para a carga chegar adequadamente e que junte uma quantidade suficiente para o trem levar.
Marques calcula que a construção de uma ferrovia seja até quatro vezes mais cara que a de uma rodovia. No entanto, diz, o investimento vale a pena.
— O custo é mais caro, já que a ferrovia é um investimento do tipo industrial, os materiais são muito mais sofisticados. Mas o custo operacional é bem mais barato, principalmente se considerarmos o custo de cargas de alta densidade que são transportadas em longas distâncias.
* Com a colaboração da Victor Labaki, estagiário do R7
fonte: R7 Diego Junqueira, do R7* / Caminhoes e Carretas
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