Quando promulgada a Lei que derrubou a prática da carta frete, meios eletrônicos foram homologados pela ANTT para assegurar que o pagamento do frete ao caminhoneiro pudesse ocorrer dentro das novas normas. Assim, surgiu também a Ampef (Associação das Administradoras de Meios de Pagamento Eletrônico de Frete), órgão responsável por fiscalizar se as prestadoras de serviço estão cumprindo a lei.
O Presidente da entidade, Alfredo Peres da Silva, concedeu uma entrevista exclusiva a Chico da Boleia para falar sobre os quatro anos do fim da carta frete e de como o desafio de eliminá-la de vez envolve todos os atores do TRC. Confira na íntegra.
Chico da Boleia: Alfredo, como está o mercado das operadoras?
Alfredo Peres da Silva: Nós temos homologados pela ANTT 25 administradoras, e em operação temos 10. A maioria delas foi habilitada, mas não entrou em operação embora tenha sido dado pra elas o prazo de 60 dias pra começar suas operações.
Chico da Boleia: E quais as dificuldades que as operadoras têm encontrado para trabalhar?
Alfredo Peres da Silva: A finalidade dessa legislação foi acabar com a carta frete. Então a conta frete no Brasil representa em torno de 120 bilhões de reais por ano. A ANTT já constatou que o que tem passado pelo sistema não chega a 15%. Então temos ainda uma sonegação muito grande, uma origem de caixa dois enorme e tudo isso é possível porque as empresas continuam utilizando a chamada carta frete e com isso cria-se uma sonegação muito grande e daí a razão do governo ter criado essa lei para garantir que o caminhoneiro efetivamente receba o dinheiro do seu trabalho sem estar obrigado a aceitar serviços que ele não queira. Pra que ele não sofra deságio quando for abastecer num posto, comprar alguma coisa, ou até mesmo quando ele utilizar uma bomba de diesel que tem o preço muito mais caro porque ele faz uso da carta frete.
Chico da Boleia: E as associações como vem a falta de fiscalização com relação à aplicação da lei?
Alfredo Peres da Silva: Nós temos a grande dificuldade que é exatamente a falta de fiscalização. Nas rodovias é muito ruim, são muitos caminhões e é difícil você fazer a checagem. É muito mais fácil você fazer a fiscalização num grande embarcador ou numa grande empresa. E assim mesmo, como você está lidando muito com papel, é muito difícil a própria ANTT fazer a fiscalização. A agência vai numa empresa, recebe milhares de conhecimentos pra fazer a checagem e daí a dificuldade. E quando constata a dificuldade às vezes não aplica a penalidade por viagem.
Às vezes aplica só uma punição educativa. O que nós estamos fazendo junto com a ANTT é desenvolver um sistema que faça um batimento eletrônico dos manifestos que foram emitidos com o CIOT que foi originário lá na ANTT e daí surgiram duas coisas. Ou depósito em conta corrente do caminhoneiro ou pagamento através do sistema do cartão frete. A inexistência de nenhum dos dois configuraria infração e a penalidade seria aplicada.
Chico da Boleia: Desse total de operadoras que operam se respeita a ideia inicial do fim da carta frete que é, primeiro, a liberdade do caminhoneiro escolher onde e como abastecer, a liberdade de como usar o seu dinheiro ganho no transporte e a tranquilidade de saber que não será onerado pelo uso do cartão? Essas operadoras estão respeitando esse princípio?
Alfredo Peres da Silva: Nós temos algumas administradoras que inclusive possibilitavam a carta frete eletrônica, ou seja, deixava de ser a carta frete que você vai descontando a cada abastecimento e agora a dedução é feita no próprio cartão. E o caminhoneiro fica obrigado a parar apenas naqueles postos que estão conveniados. O que acontece na prática? O total de diesel que foi consumido por todos os caminhoneiros, a empresa recebe uma nota fiscal e vai deduzir isso como despesa operacional. Então a carta frete é utilizada para um grande sistema de sonegação fiscal e criação de caixa dois. A única forma do caminhoneiro se proteger é usar uma transportadora, uma administradora que não use a carta frete, para que ele possa comprar o que ele quiser, abastecer onde quiser, sem obrigação de pagamento de nenhuma taxa. Aliás saiu a última modificação na lei, a pedido dos caminhoneiros, que ele não pode arcar com nenhuma despesa tarifaria bancária pelo uso do cartão. Então esses valores tem que ser antecipados pelo contratante, antes do pagamento. Essas tarifas bancárias, de quatro transferências e de quatro saques, ele tem que receber isso antecipadamente. A defesa do sistema terá que ser feita pelo próprio caminhoneiro. É ele que tem que ser o defensor da lei até porque esse sistema possibilitou que a base de cálculo do imposto dele caísse de 40% do bruto para 10%, ou seja, praticamente ele não está pagando imposto de renda e ele tem condição de fazer com que todo o sistema passe pelos bancos e impossibilite o chamado caixa dois que tem permanecido e beneficiado somente terceiros e não o próprio transportador.
Chico da Boleia: Dentro da lei está claro que operadores, transportadoras e correlacionados não podem operar no sistema. A gente está tomando conhecimento que essa regra não tem sido respeitada. O que a associação está fazendo em relação a isso pra defender o princípio da lei?
Alfredo Peres da Silva: Acho que essa é a principal atividade da associação que é defender a lei. Então temos procurado fiscalizar, temos entrado com pedidos de impugnações de habilitação de novas administradoras que não tenham essa finalidade. Comprovada a existência nós temos solicitado cópias dos processos de habilitação porque entendemos que em muitos casos contraria a própria legislação da ANTT a aprovação dessas novas administradoras. Porque o principal motivo da lei lá atrás é impedir a chamada venda casada, que é o contratante do autônomo não fazer com que ele obrigatoriamente deposite o dinheiro em determinado banco, para que ele não esteja obrigado a nada. Exatamente pra ele ter essa liberdade. É dentro da lei do consumidor, venda casada é proibida. Então o que a lei procurou, quando regulamentou o pagamento eletrônico, foi garantir que isso não ocorresse com o caminhoneiro. E as entidades dos caminhoneiros também tem que cobrar e assumir essa fiscalização. E cobrar também de nós quando uma administradora não está cumprindo a Lei. No momento que uma administradora não segue a regra, não está creditando os valores corretamente no cartão, o caminhoneiro tem que denunciar. Existe lá a ouvidoria da ANTT e isso tem que ser denunciado para que a administradora cumpra a lei e se penalizada saia do mercado em virtude da cassação da sua habilitação.
Chico da Boleia: Com relação a operação casada e o fim da carta frete nós fizemos uma entrevista com Ives Gandra Martins no ano passado e ele dizia que do ponto de vista do Código do Consumidor a carta frete já era ilegal. A gente sabe que a ANTT gerencia outras coisas além do TRC. Existiria alguma possibilidade da Ampef ter um telefone para atender as denúncias dos caminhoneiros que encontrarem irregularidades nas operadoras ao longo do trecho?
Alfredo Peres da Silva: Primeiro a obrigação de toda administradora é ter um atendimento telefônico. E a própria ANTT tem o 0800 para essas reclamações. Nós temos chamado a atenção da ANTT porque às vezes é muito difícil o caminhoneiro denunciar a empresa porque ele é obrigado a aceitar a carta frete para não perder o serviço. Então esse sistema lá na ouvidoria tem que garantir uma certa privacidade de não divulgação do nome do caminhoneiro para ele se proteger perante o grande contratante. Nós temos o nosso site onde podem ser feitas essas denúncias e o que nós começamos a conversar com o sindicato de caminhoneiros é criarmos inclusive uma câmara de conciliação. Onde houver reclamação a gente possa fazer esses comitês de conciliação dentro dos sindicatos para cobrar as ações que por ventura podem ser ilegais e que são feitas por alguma administradora.
Não é só o problema do dinheiro em si, às vezes é problema de cobrança de taxa indevida, é a não liberação do caminhoneiro para que ele possa fazer outro serviço. Quer dizer, o sistema que é pra proteger o caminhoneiro também tem que ser menos burocrático para que ele possa fazer o seu serviço como a vida inteira fez. O caminhoneiro agora tem o poder de decidir se quer que o depósito seja feito na conta corrente dele, ou se ele quer receber através de um meio eletrônico de pagamento, de uma administradora. E ele que é o cadastrado da administradora. Quer dizer, para a administradora o importante é a proteção do caminhoneiro. Essa é a grande preocupação, por exemplo, do Banco Central. Ele está vendo todo esse volume de dinheiro que circula e quer ter a preocupação de que o caminhoneiro não fique sem respaldo de uma hora para outra. Essa é uma preocupação que todos nós devemos ter: se a empresa administradora que nós estamos utilizando tem efetivamente lastro para garantir o dinheiro que a transportadora passou para ela possa creditar para o caminhoneiro vá chegar.
Chico da Boleia: Em função do valor que hoje a conta frete representa, quanto estaria passando pelo sistema de cartão?
Alfredo Peres da Silva: Apenas 15%. Temos casos que comprovam que o uso da carta frete ainda é muito grande. A ANTT tem competência para, em caso de ilegalidade, multar o caminhoneiro, a empresa, o embarcador, mas não tem competência legal pra multar o posto de gasolina que é o grande gerenciador disso. Então já fizemos essa denúncia para o Ministério Público Federal, o Banco Central, porque essa é uma área que eles devem atuar, seja diretamente ou através de uma delegação. Uma coisa que nós nos preocupamos é o seguinte: agora com a regulamentação do tempo de parada e a jornada de trabalho, nós teremos os locais de paradas obrigatórias. O Ministério do Transporte vai definir que lugares que deverão parar para ter segurança, descansar e tal. Normalmente serão postos de gasolina. Então uma coisa que nós já alertamos o MT e os caminhoneiros tem que ficar muito alertas é pra que não seja credenciado um posto de gasolina que use e alimente o sistema da carta frete. Porque daí é entregar o ouro para o bandido.
O amigo caminhoneiro que quiser realizar alguma denúncia de utilização da carta frete pode acessar o site da Ampef: www.ampef.org.br ou através da ouvidoria da ANTT: Telefone gratuito: 166 e email ouvidoria@antt.gov.br.
Redação Chico da Boleia
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