Estradas escondem pontos de violência e abuso sexual contra crianças e adolescentes

Existência de tais pontos integra a alarmante realidade de violência sexual contra menores

Dia 18 de maio é o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A data, instituída pela Lei Federal 9.970/00, revela os esforços para o enfrentamento dessa realidade ainda tão presente no Brasil.

Dados divulgados pelo 13º Anuário de Segurança Pública. Imagem: Abuso infantil: o pedófilo dorme ao lado

Infelizmente, os dados sobre exploração, abuso e violência contra crianças e adolescentes são assustadores. Os mais recentes números, compilados pela Ouvidoria Nacional do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) e apresentados no final do ano passado, revelam que quase 90% dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes são registrados no ambiente familiar. A pesquisa considerou as denúncias realizadas através do canal Disque 100.

Além disso, conforme o 13º Anuário de Segurança Pública, divulgado também em 2019, foram notificados 66.041 casos de pedofilia pelas delegacias de polícia em 2018. Dentre eles, 53,8% foram praticados contra crianças de até 13 anos.

Isso significa que, a cada hora, quatro crianças são estupradas no Brasil. Na maioria dos casos, dentro da própria casa.

Exploração e violência sexual de crianças e adolescentes nas estradas

A data ainda enseja a discussão sobre a triste realidade de exploração sexual de crianças e adolescentes em rodovias brasileiras. Quem vê as lindas e diversas paisagens pelas estradas do Brasil, não imagina que por trás dessas belezas se escondem os chamados “pontos vulneráveis”.

A Ong ChildHood, através do Programa Na Mão Certa, criado em 2006, atua no Brasil para mapear e combater os pontos vulneráveis à exploração sexual de crianças e adolescentes nas rodovias federais brasileiras.

No mais recente relatório divulgado em parceria com a Polícia Rodoviária Federal, foram mapeados 2.487 pontos registrados como vulneráveis no biênio 2017/2018. Desse total, 489 foram considerados pontos críticos; 653, com alto risco; 776, com médio risco; e, por fim, 569 pontos foram avaliados como de baixo risco para ESCA.

Tal resultado aponta para o acréscimo de aproximadamente 26% dos pontos em relação ao mapeamento anterior, mas uma queda no número de pontos considerados críticos.

Dentre as vítimas identificados, 48% foram consideradas do sexo feminino, 36% do sexo masculino e 16% transgêneros. As principais e potenciais vítimas continuam sendo crianças e adolescentes do sexo feminino.

De acordo com o relatório, a identificação de transgêneros pode parecer pequena, mas demonstra a necessidade de o poder público realizar ações diferenciadas e inclusivas com esse grupo.

O relatório também demonstra que, dos pontos vulneráveis levantados, 19,66% deles são críticos (489), e estão espalhados em 270 municípios. Deste universo, 15 municípios possuem entre 5 e 10 pontos críticos ou de alto risco.

Pontos vulneráveis de acordo com a região. Fonte: MAPEAR 2017/2018

Analisando este recorte da pesquisa, pode-se notar que os estados do Ceará (7) e Pará (3) possuem o maior número de municípios com esta característica, além de serem líderes, 1° e 3° respectivamente, na quantidade absoluta de pontos críticos.

Ainda foi possível identificar que o número de pontos vulneráveis aumentou significativamente na região Norte (de 160 pontos para 404), Nordeste (de 475 pontos para 644) e Sul (de 448 pontos para 575). Vale destacar que o aumento se deu, principalmente, nos pontos de característica de média e baixa criticidade

Houve uma estabilização do número de pontos no Sudeste, e leve redução na região Centro-Oeste.

Ao todo 48 rodovias federais (BRs) apresentam pontos críticos, destacando-se a BR 116 com o maior número de pontos.

De acordo com o relatório, é importante destacar que a exploração sexual de crianças e adolescentes é um crime com grande capacidade de migração.

“A ação criminosa pode se mover para outros pontos da mesma rodovia, para outras ou até mesmo para fora da área de atuação da PRF, sendo esta última possibilidade a mais observada”, destaca o documento.

A área urbana é a região com o maior número dos pontos vulneráveis à ESCA. Uma hipótese para isso, explica o relatório, é que esta localização facilita o acesso e a movimentação de pessoas. Por isso, a interação entre as vítimas e agressores tende a ser maior. São ambientes propícios para a ocorrência de tal crime.

O relatório ainda aponta que, dos 489 pontos considerados críticos, 224 estão vinculados a postos de combustíveis, ou seja, 45,80% dos pontos. Isso faz com que esses locais sejam considerados os principais pontos vulneráveis e, por isso, devem receber fiscalização intensa dos órgãos competentes e ações de prevenção e combate.

Os outros 54,20% dos pontos vulneráveis estão divididos entre os demais 15 tipos de logradouros, como bares (379), casas de show (245), pontos de alimentação (242) e os pontos de hospedagem (167), entre outros.

A boa notícia é que, de acordo com o relatório, desde 2011 os pontos críticos, principais focos das ações repressivas e preventivas, tiveram redução absoluta (-202 pontos) e percentual (-29,23%). Esse é o resultado de ações coordenadas e efetivas na identificação e desmantelamento desses locais.

O relatório ainda revela que, nos últimos 14 anos (2005 a 2018) a PRF resgatou e encaminhou 4.749 crianças e adolescentes identificados em situação de risco nas rodovias federais brasileiras.

A Ong considera que violência sexual contra crianças e adolescentes abrange abuso sexual, estupro, exploração sexual, exploração sexual no turismo, grooming, pornografia infantil, sexting, entre outros.

Pontos vulneráveis de acordo com o tipo. Fonte: MAPEAR 2017/2018

 

Metodologia de análise de pontos vulneráveis

Os dados foram obtidos através de uma metodologia específica, aplicada pelo programa Mapear (mapeamento dos pontos vulneráveis à exploração sexual de crianças e adolescentes nas rodovias e estradas federais).

O projeto, articula ações desenvolvidas pela Polícia Rodoviária Federal, Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Coordenação Geral de Operações (CGO) e Coordenação de Inteligência (COINT).

O – MAPEAR – tornou-se referência no delineamento de ações para o enfrentamento dessa grave violação de direitos humanos, desde 2003, quando Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (ESCA) tornou-se prioridade para o Governo Federal e a PRF fortaleceu o desenvolvimento das atividades tanto educativas (formação dos policiais), preventivas (campanhas de sensibilização), quanto de inteligência e repressão (operações direcionadas à ESCA).

As ações realizadas para compor este mapeamento têm vasta abrangência, percorrendo em torno de 71.000 quilômetros de rodovias federais, distribuídas pelos 26 estados e o Distrito Federal.

Para identificar os pontos vulneráveis, são coletadas respostas à uma série de perguntas feitas pelos agentes da campanha. De acordo com o relatório, os critérios que têm maior peso são:

  • existência de prostituição de adulto;
  • ocorrências de exploração sexual de crianças e adolescentes pela lembrança do policial em determinada localidade nos últimos dois anos;
  • registro de ocorrência de tráfico/consumo de drogas nos últimos 24 meses
  • presença constante de crianças e adolescentes no local;

 

Em 2013 foram incluídos novos questionamentos que dizem respeito ao gênero das vítimas e se eram da mesma localidade onde encontravam-se exploradas. Busca-se dar luz às invisibilidades relativas à identidade de gênero e a vulnerabilidade destas pessoas, frente a possível exploração sexual de crianças e adolescentes, além de propiciar um estudo sobre o fluxo migratório das possíveis vítimas e se existe a relação com o crime de Tráfico de Pessoas.

Os pontos confirmados são aqueles nos quais um agente certificou a presença de crianças e adolescentes em situação comprovada de exploração sexual, realizou a repressão do ilícito e encaminhou as vítimas ao Conselho Tutelar.

Os pontos com indícios são aqueles nos quais o agente identificou vestígios, recebeu informações, dados, denúncias ou ocorrências passadas, mas não conseguiu confirmar a situação apontada.

Por fim, os pontos vulneráveis são aqueles nos quais podemos atribuir um nível de vulnerabilidade (criticidade) à exploração sexual de crianças e adolescentes, através do somatório de pontos das questões respondidas no aplicativo eletrônico utilizado no levantamento do projeto MAPEAR. Eles podem ser de baixa, média ou alta criticidade.

Veja como identificar e denunciar

 No artigo, “Abuso infantil: o pedófilo dorme ao lado”, Juliana Maciel destaca que “o termo violência sexual infanto-juvenil, inclui os crimes:

  • de abuso sexual intrafamiliar (quando o abuso ocorre dentro da família, sendo comum que ele se repita de geração em geração)
  • extrafamiliar (quando ocorre fora do âmbito familiar, mas geralmente também provocado por alguém em quem a criança confia, como um vizinho, um amigo da família, ou um professor)
  • exploração sexual comercial.

 

A autora destaca ainda que todas essas violências são marcadas por uma relação de poder de um superior a um mais frágil.

“Pode-se fazer uso da força física e/ou de artifícios psicológicos – como aliciamento, intimidação e sedução. No caso do abuso, ele costuma ocorrer na maioria das vezes dentro de um ambiente de fácil acesso à criança, onde já há um determinado nível de intimidade entre ela e o agressor. Além disso, a agressão costuma se repetir”, escreve.

De acordo com o relatório da Ong ChildHood “a violência sexual é um ato invasivo e cruel. Por interferir nas dimensões físicas e psicológicas de crianças e adolescentes é considerada uma das mais graves manifestações da violência. Trata-se de uma violação dos Direitos Humanos, que ocorre no mundo todo e está ligada a fatores culturais, sociais, pessoais e econômicos”.

Essa violência, por ser exercida através da força ou da manipulação, não se configura apenas com o ato sexual, propriamente dito.

“Carícias, manipulação da genitália, palavras obscenas, circulação indevida de imagens de crianças/ adolescentes, exposição dos órgãos genitais para elas, sexo oral ou anal também são considerados atos deste tipo de violência. Essa relação nem sempre vem acompanhada de violência física, mas só se concretiza porque o adulto ou maior de idade impõe sua superioridade física e intelectual. Assim, o agressor consegue dominar a criança/adolescente física e psicologicamente”, destaca o relatório.

As violências sexuais cometidas por crianças e adolescentes nem sempre são denunciadas. Por revelarem uma relação de intimidação e poder exercida por um adulto de superioridade intelectual, física e etária, essas violências costumam ser caladas pelas vítimas.

No entanto, “é muito importante ressaltar aqui que um suposto consentimento da criança ou adolescente com o ato sexual deve ser sempre questionado, considerando-se o poder do adulto sobre eles e a condição de pessoa ainda em desenvolvimento”, releva o relatório.

A violência sexual pode ser manifestada de duas formas: abuso sexual e exploração sexual.

O abuso sexual acontece quando a criança ou adolescente é usado para a satisfação sexual de pessoas mais velhas. Essas relações são impostas diante de ameaças de violência física, de métodos de convencimento ou sedução e até mesmo por coação exercida por uma pessoa mais rica ou com mais status. O adulto sempre possui mais poder físico, psíquico e, algumas vezes, social, que a criança/adolescente. O abuso sexual também pode ser praticado por adolescentes em relação à crianças.

A exploração sexual pode ser compreendida de várias formas. Conheça as principais:

  • Exploração sexual agenciada – é a exploração sexual de crianças e adolescentes intermediada por pessoas ou serviços, como bordéis, serviços de acompanhamento e clubes noturnos. As crianças e adolescentes pagam um percentual do que ganham para essas pessoas ou serviços em troca de um lugar para morar, comida, roupas, transporte, maquiagem, drogas ou proteção durante a realização do trabalho.
  • Exploração sexual não-agenciada – é a exploração sexual de crianças e adolescentes sem a presença do intermediário.
  • Tráfico para fins de exploração sexual – são atividades de aliciamento, rapto, transferência e hospedagem de crianças e adolescentes para “alimentar” o mercado da exploração sexual. O tráfico de seres humanos também serve para a exploração do trabalho, adoções ilegais e venda de órgãos.
  • Pornografia infanto-juvenil – a pornografia é a pratica de apresentar partes descobertas do corpo ou representar cenas sexuais com o objetivo de instigar a libido do espectador. Na pornografia infantojuvenil, são retratadas cenas de sexo de adultos com crianças ou entre crianças. Essas cenas são expostas em revistas, livros, filmes ou na internet.

 

O relatório apresentado pela Ong ChildHood faz uma distinção entre abuso sexual e pedofilia, na qual destaca:

“A pedofilia é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde como uma doença que faz a pessoa sentir atração sexual preferencialmente por crianças pré-púberes. Os pedófilos são a minoria entre os casos de abuso sexual no Brasil. Ao considerar todos os casos de abuso sexual como pedofilia, corre-se o risco de reduzir o problema à questão da saúde mental e eximir os envolvidos direta ou indiretamente de responsabilidade, inclusive a sociedade. Ou seja, a pedofilia é uma doença, e não um crime. O crime é o abuso sexual que pode ser cometido por qualquer um, independente de serem portadores da pedofilia.”

O debate sobre a questão, no entanto, é extenso e controverso. Existem grupos antipedofilia e linhas de investigação que destacam a necessidade de se entender a pedofilia fora do eixo da saúde mental. Ou seja, como uma prática que revela uma estrutura patriarcal de exercício de poder através da violência sexual e que é fomentada com a cultura do estupro e a circulação e consumo da pornografia.

Em seu artigo, Juliana Maciel cita a psicóloga Marisa Freire, que trabalhou por 10 anos com essa temática na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A profissional diz que, independentemente do tipo de abuso, essa situação prejudica todo o desenvolvimento cerebral da criança. “A criança não tem maturidade para vivenciar tal situação” afirma Marisa.

“Eu atendi a um bebê que, com 1 ano e meio, foi flagrado sendo vítima de abuso sexual. Imagina quanto tempo se levaria para descobrir. A criança não fala e aquilo ali já é inserido dentro do contexto da vida dela.” Outra paciente sua, mesmo depois de identificada a situação de abuso, tentou escapar do abrigo ao qual foi direcionada para voltar a morar com o pai, o abusador. Segundo a psicóloga, ela já havia internalizado o papel que exercia de mulher do próprio pai. O perigo nessas situações é culpabilizar a filha, chamá-la de louca. “A menina é filha, ela não tem outro parâmetro. Que referência ela tem de um outro modelo de pai? Nenhuma. Sendo pai e mãe, você sabe que artifício usar”, destaca Marisa.

Confira alguns sinais que podem caracterizar uma situação de abuso: 

  • Hipererotização: o corpo se torna uma via de comunicação. Ela toca no corpo, usa-o como mecanismo de sedução.
  • Isolamento: a criança perde auto-estima e se torna insegura. Não quer mais brincar com os amigos nem sair de casa.
  • Regressão no desenvolvimento: tanto cognitiva, quanto fisiológica. A criança volta a usar chupeta e a precisar de fralda, por exemplo;
  • Existência de segredos: eles costumam ser indícios de chantagens que podem estar sendo feitas pelo abusador;
  • Oscilações de humor;
  • Perda de interesse nos estudos;
  • Distúrbios alimentares;
  • Conhecimento sexual impróprio para a idade;

 

O que fazer se notar sinais

  • Converse com a vítima: busque um ambiente apropriado. Se necessário, converse primeiro sobre assuntos diversos. Na hora da escuta, ouça e acolha seu relato de coração aberto, sem interrupções. Respeite o ritmo da criança e faça o mínimo de perguntas para não invalidar seu testemunho. A linguagem deve ser simples e clara. Recomenda-se usar as mesmas palavras que ela.
  • Jamais desconsidere os sentimentos da criança/adolescente com frases como “isso não foi nada”, “não precisa chorar”. Essas frases revivem sentimentos de dor, raiva, culpa e medo. Também não a trate como “coitadinha”, ela quer ser tratada com carinho, dignidade e respeito.
  • Reitere que ela não tem culpa pelo que ocorreu. Lembre-se de que é preciso coragem e determinação para uma criança/adolescente contar a um adulto que está sofrendo ou sofreu alguma violência. Diga a ela que, ao contar, agiu corretamente.
  • Explique à criança o que irá acontecer em seguida, como você irá proceder, ressaltando sempre que ela estará protegida.
  • Avalie entrar em contato com um membro da família. Em caso de abuso intrafamiliar, procure um membro não agressor, de preferência com o consentimento ou indicações da criança.
  • Leve-a a uma avaliação e tratamento especializados.
  • Interrompa o contato entre ela e o possível abusador

Saiba onde denunciar

Disque 100.É possível ligar de qualquer lugar do Brasil e funciona 24h. O sistema registra casos de violação de direitos humanos.

Aplicativo Proteja Brasil.
Outra maneira é baixar gratuitamente o aplicativo Proteja Brasil no celular (disponível para iOS e Android). Para registrar a denúncia, basta responder o formulário. A denúncia será recebida pela mesma central de atendimento do Disque 100.

Ouvidoria Online
Outra forma de encaminhar sua denúncia ao Disque 100, é preenchendo o formulário disponível aqui.

 

Artigos citados:

http://www.namaocerta.org.br/pdf/mapear2017_2018v01.pdf

https://www.ufrgs.br/humanista/2019/10/17/abuso-infantil-o-pedofilo-dorme-ao-lado/

Saiba mais em:

http://www.namaocerta.org.br/

https://www.childhood.org.br/

Larissa Jacheta Riberti para Chico da Boleia

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