Apesar da flexibilização do comércio em várias regiões de Minas e do país, monitoramento do movimento nas estradas feito pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) mostra um país em marcha lenta, e extremamente desacelerado desde o início da pandemia.
Em todas as unidades da federação avaliadas, o tráfego recuou, com quedas de até 46%. Somente Minas Gerais, o estado com a maior malha viária do país, perdeu um quarto do seu transporte de cargas e passageiros nas rodovias, devido ao fato de que o enfrentamento à COVID-19 exige políticas de isolamento que fecharam boa parte do comércio em todo o Brasil.
De acordo com a ANTT, a redução no estado foi de 25,2%, com a movimentação em sete estradas federais monitoradas caindo da média de 13.464 veículos por dia, em março, antes do distanciamento social, para 10.073/dia, em média neste mês.
Nas rodovias que cruzam Minas Gerais, veículos de transporte de carga ainda conseguem rodar para levar alimentos, produtos de necessidade básica e minério de ferro. Mas muitos dos demais produtos estão encalhados em estoques de pontos de comércio paralisados. A própria retração das atividades trouxe precariedade para a beira da estrada reduzindo também a oferta de mecânicos, socorristas, borracheiros e inflacionando os preços de alimentos.
O monitoramento ocorre em Capim Branco (BR-040/Região Central), Comendador Gomes (BR-153/Triângulo), Araguari (BR-050/Triângulo), Florestal (BR-262/Grande BH), Barbacena (BR-040/Campos das Vertentes), Delta (BR-050/Triângulo) e Uberaba (BR-050/Triângulo). A contagem é um retrato imperfeito, uma vez que ficaram de fora rodovias como a mais movimentada do estado, a BR-381 (Fernão Dias), entre Contagem e São Paulo, devido ao fato de que o monitoramento desta via é feito dentro de um posto de pesagem que foi desativado devido às medidas sanitárias.
Entre as monitoradas, a rodovia que experimentou a maior queda de tráfego foi a BR-153, em Comendador Gomes. A estrada que liga São Paulo a Goiás passando por território mineiro sofreu uma redução de 14,7%, com o movimento de cargas despencando de 1.893 caminhões por dia na primeira semana de março, para 1.615 na primeira semana de junho.
Na Grande BH, a via que maior queda experimentou foi a BR-040, que faz a ligação da capital mineira com o Rio de Janeiro. O movimento calculado pela agência na altura de Barbacena, na Região Central de Minas, caiu 9,6%, de 1.714 para 1.556 veículos diários de março para junho. Observando apenas essa estrada, percebe-se que o fluxo caiu mais no sentido norte, ou seja, do Rio de Janeiro para Belo Horizonte, com redução de 12,2% dos veículos.
O tráfego no sentido oposto, com destino ao Rio de Janeiro, caiu apenas 6,2%. “O Rio de Janeiro sofreu muito com a COVID-19, muitos caminhoneiros pararam e essa oportunidade foi suprida pelos outros estados, com muita gente de Minas e de outros estados seguindo para os portos do Rio”, avalia o presidente do Sindicato Intermunicipal dos Caminhoneiros, José Natan Emídio Neto.
NA MÃO DE DEUS
“A gente está ao Deus dará”, afirma o caminhoneiro Robson Pereira da Silva, de 45 anos, que transporta sucata de Goiás para Minas Gerais e sente que a precariedade aumentar nas rodovias, devido ao fechamento de muitos serviços e a mudança nas formas de atendimentos de outros. “O socorro, conforme as coisas vão engrenando, tem melhorado, mas ainda não tenho segurança de sair de Goiânia e precisar de algum conserto de emergência. Já teve vezes em que a empresa precisou mandar um mecânico de Goiás para cá para fazer reparos no caminhão, porque eu não achava nada aberto na estrada”, conta o caminhoneiro.
“O pior é que nos restaurantes agora só atendem por marmitex. Como os preços subiram muito, para os caminhoneiros que precisam sempre desse alimento ficou muito puxado”, relata o motorista. “Antigamente era R$ 13 a marmita; agora você não paga menos de R$ 18”, reclama.
Quem precisa de algum reparo de emergência tem necessitado rodar mais para encontrar. Segundo o mecânico e socorrista de reboques Edimar dos Santos, de 34, de Congonhas, o trabalho diminuiu, mas quem precisa tem de conseguir trafegar por maiores distâncias para conseguir um conserto.
“As pessoas ficaram mais em casa. O que ainda está segurando a nossa renda são os transportadores de minério, que ainda estão rodando. Antes tinha mais viajantes, agora é quase que só os caminhoneiros de minério de ferro. Essa estrada aqui é muito ruim e está quase tudo fechado. Não achamos lojas ou auxílio. Se precisarem de socorro, as pessoas têm precisado de rodar muito mais ou esperar que gente venha de mais longe”, conta.
Os impactos das restrições sanitárias diminuíram a oferta de cargas para transporte e fizeram com que o caminhoneiro Maiquel Lucas Zacarias de Almeida, de 30, natural de Carmo da Cachoeira, ficasse praticamente um mês parado. “Pior é que diminuíram as cargas, está muito complicado. Eu puxo máquinas, cervejas, refrigerantes, de tudo um pouco, mas reduziu muito”, constata.
“Tudo o que levo para São Paulo caiu, porque lá não está aberto. No Paraná está pior ainda, porque você roda e não acha nada funcionando. Tive de ficar 25 dias parado, porque não conseguia comprar provisões e peças de manutenção. Naquele mês, para mim, que sou autônomo, foi muito difícil, o meu faturamento foi a zero”, lembra.
‘Locomotiva do Brasil’ segue em marcha lenta
Dos 12 estados que têm o acompanhamento da ANTT, Minas Gerais foi o 10º com a maior queda de tráfego de cargas, na comparação da média diária de março com a de junho. Os piores são o Rio de Janeiro, com o encolhimento de 46% do volume de caminhões nas rodovias, seguido por Santa Catarina (-41,9%) e Paraná (-40,5%), sendo que em São Paulo, estado que é considerado o motor da economia brasileira, o encolhimento do transporte pesado chegou a 35,7%.
A rodovia brasileira que enfrentou a maior queda de tráfego depois da pandemia foi a BR-364, em Alto Garças, no Mato Grosso. A média diária de veículos de março caiu de 3.158 para 1.995, representando retração de 36,8% do movimento.
Além das dificuldades nas estradas e do encolhimento do mercado de cargas para frete, a situação econômica do país também ameaça tirar do mercado vários autônomos que trabalham como caminhoneiros.
Segundo o presidente do Sindicato Intermunicipal dos Caminhoneiros, José Natan Emídio Neto, estão marcadas reuniões com representantes do governo federal para negociar condições mais favoráveis de crédito. “Parou muita gente. Mas as parcelas de financiamento dos veículos seguem sendo cobradas. Queremos que o BNDES possa paralisar essas prestações enquanto estiver nessa dificuldade”, afirma o sindicalista.
De acordo com ele, a situação é ainda mais dramática entre os transportadores de vans e ônibus. “Temos amigos que mexem com ônibus e que já pararam há quatro meses, mas continuam tendo esses encargos. O governo vai ter de fazer alguma coisa. Não tem condição de você pagar prestações se não tem de onde tirar os recursos”, reclama Neto.
Um dos poucos lugares em Minas Gerais que experimentaram aumento de volume de tráfego foi a BR-050, em Uberaba, no Triângulo. Nessa estrada, a média de caminhões diários em março saltou 17,5%, passando de 559 viagens para 657.
Segundo o presidente do sindicato dos caminhoneiros, uma das razões é a alta do agronegócio, mesmo em tempos de pandemia. “Aquela região escoa o agronegócio de Minas Gerais, Goiás e de São Paulo. Esse mercado é o único que está aquecido e por isso muita gente roda para transportar alimentos. Infelizmente não é um negócio nacional mais, as grandes produtoras internacionais vêm aqui, plantam na terra e depois levam embora os lucros”, pondera.
Fonte: Mateus Parreiras para Estado de Minas.
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