Redação Chico da Boleia
Fundamental para o atendimento e garantir a segurança do motorista, o trabalho do frentista por vezes não é valorizado ou reconhecido como deveria. No Brasil, existem mais de 500 mil profissionais atuando em postos de combustíveis, segundo a Federação Nacional dos Empregados em Postos de Serviços de combustíveis e Derivados de Petróleo (FENOPOSPETRO). Com a média salarial mensal de R$ 1.800 e carga horária de 44 horas semanais, a demanda desses trabalhadores é alta, para uma função considerada insalubre devido aos inúmeros riscos, principalmente à saúde.
Um estudo feito pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) revelou que a exposição às concentrações de benzeno, tolueno, etilbenzeno e xilenos (BTEX) presentes no ar, especialmente em locais como postos de abastecimento, pode estar associada ao desenvolvimento de várias doenças, incluindo o câncer. Algumas dessas substâncias estão presentes nos próprios combustíveis, como no caso da gasolina.
O artigo revela que a exposição ao benzeno e ao tolueno podem afetar os sistemas hematopoiético (responsável pela produção de células sanguíneas, como eritrócitos, leucócitos e plaquetas), central e reprodutor. No caso do etilbenzeno e xilenos, foi identificado que os sistemas respiratório e nervoso são os prejudicados pelo contato. Entretanto, o documento destaca que o benzeno tem maior relevância toxicológica e está inserido na lista da Agência Internacional de Pesquisa do Câncer (IARC), como uma substância reconhecidamente carcinogênica (grupo 1ª), ou seja, é um agente químico que pode causar essa doença nas pessoas que têm contato com a mesma.
Para entender melhor sobre o assunto, a redação do Chico da Boleia conversou com Leandro Vargas Barreto de Carvalho, pesquisar do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador da Ensp/Fiocruz. Confira:
Redação Chico da Boleia: Você poderia nos contar um pouco mais sobre a pesquisa a respeito dos riscos da profissão de frentista?
Leandro Vargas: Essa pesquisa foi desenvolvida em postos de combustíveis na cidade do Rio de Janeiro, inicialmente na zona norte e depois na Zona Oeste.
Estes trabalhadores têm uma realidade de trabalho bem complexa, pois atuam expostos às intempéries, já que o ambiente de posto de combustível sempre é aberto, expostos aos riscos da violência urbana (assaltos) e acidentes (atropelamento), e tem a exposição ocupacional aos riscos químicos e físicos. Os riscos químicos têm relação com os combustíveis manipulados, e os físicos se dão principalmente devido ao perigo de explosão, uma vez que postos de combustíveis trabalham com substâncias inflamáveis, mas tem também o calor e ruído elevados nas pistas de abastecimento.
Muitas vezes observamos em postos de combustíveis um ambiente de trabalho insalubre, com, por exemplo, banheiros para funcionários muito sujos (ou a falta deles), e vestiários e cozinhas inadequados, entre outras situações ruins ou desagradáveis para o trabalhador.
Nossa pesquisa fez uma avaliação ambiental e biológica da exposição ocupacional ao BTEX (uma mistura de substâncias químicas presente na gasolina), e estudou os impactos à saúde dos trabalhadores.
Esse trabalho foi desenvolvido juntamente com o sindicato de trabalhadores de postos de combustíveis do Rio de Janeiro, o Sinpospetro. Essa parceria com o sindicato foi fundamental para que conseguíssemos chegar aos postos participantes da pesquisa, assim como para convidar os trabalhadores para participar da pesquisa. Além disso, a parceria do sindicato foi fundamental para engajarmos os trabalhadores no estudo, pois eles faziam uma campanha de comunicação nas bases e divulgavam nosso trabalho.
Redação: Quais substâncias tóxicas os frentistas estão mais expostos no dia a dia e quais os principais riscos à saúde associados a essas substâncias?
Leandro: Os frentistas são trabalhadores que atuam em postos de combustíveis diretamente expostos às substâncias químicas contidas nos vapores dos combustíveis, que estão presentes em todo o ambiente dos postos e são nocivos à saúde.
Um grupo de substâncias químicas presente na gasolina, e de grande importância para a saúde humana, é conhecido como BTEX, sigla que representa o Benzeno, Tolueno, Etilbenzeno e Xilenos, que são hidrocarbonetos aromáticos. Além disso, nos postos também tem a presença do etanol (combustível) e do diesel, substâncias químicas que, devido a condição de exposição crônica, podem gerar danos à saúde de trabalhadores.
Toda substância química pode representar um risco para saúde humana, principalmente no contexto das exposições que ocorrem no ambiente de trabalho, pois estas ocorrem ao longo de muito tempo, mesmo que em baixas concentrações. Nesse contexto, o benzeno é uma das substâncias mais perigosas para a saúde humana, já que é reconhecidamente cancerígeno!
Redação: Durante a pesquisa, quais foram os efeitos mais comuns à saúde observados entre os frentistas devido ao contato constante com esses produtos? E quais as consequências da exposição prolongada a essas substâncias?
Leandro: Em nosso trabalho observamos que grande parte dos participantes apresentavam alterações nos seus exames de sangue, que é um dano diretamente relacionado à exposição ao BTEX, e também alguns apresentavam dermatites, um efeito do contato contínuo da pele dos trabalhadores com a gasolina e outros combustíveis.
Essas substâncias químicas nocivas para a saúde dos trabalhadores podem geram diversos danos à saúde, ou agravar problemas pré-existentes. Por exemplo, o tolueno pode gerar perda auditiva (surdez), e o benzeno pode causar um câncer chamado LMA (leucemia mieloide aguda), o desfecho mais perigoso decorrente da exposição ao benzeno. Há outros problemas de saúde que também podem ocorrer decorrentes da exposição ao BTEX: irritação das mucosas (olhos, nariz e boca) inflamação pulmonar, efeitos tóxicos para o sistema nervoso, e danos ao sistema imunológico.
Redação: Os frentistas recebem treinamento adequado para lidar com produtos químicos, como gasolina e diesel? O que poderia ser feito para melhorar a conscientização sobre os riscos?
Leandro: Não! Frentistas não costumam receber o treinamento adequado para mexer com esses produtos químicos nocivos para sua saúde. Não há campanhas educativas nesse sentido! Nossa pesquisa atuou nessa parte, buscando conscientizar os trabalhadores sobre os riscos de manipular os combustíveis sem os devidos cuidados e o que isso poderia impactar na saúde deles.
Em nossa pesquisa constatamos que os trabalhadores não recebiam as orientações adequadas para manipular esses produtos, seja no momento da admissão ou depois. Por exemplo, era muito comum observarmos a manipulação de grandes volumes de combustível durante os processos de verificação do nível dos tanques de combustível, assim como do descarregamento de caminhões-tanque, sem os equipamentos de proteção individual adequados.
Redação: A população em geral também corre riscos ao ter contato com as concentrações de BTEX? Se sim, quais são as consequências dessa exposição?
Leandro: Sim, pois a exposição da população aos vapores de combustível também leva um quadro de exposição ambiental ao BTEX. Essa exposição ocorre em menores níveis que a dos trabalhadores, mas ainda sim é um risco para a saúde humana.
Da mesma forma que os trabalhadores, as consequências mais graves dessa exposição são alterações hematológicas que podem levar a um câncer. Populações que residem próximas a postos de combustíveis estão sob maior risco.
Outro problema presente em regiões onde existem postos de combustíveis é o vazamento dessas substâncias para o subsolo, devido a ‘furos’ nos tanques enterrados no solo, contaminando o lençol freático da região.
Redação: Em sua opinião, há uma subestimação dos perigos dessa profissão, tanto por parte dos próprios trabalhadores quanto dos donos dos postos de combustíveis?
Leandro: Todo e qualquer trabalhador sempre tem seus riscos ocupacionais subestimados ou ignorados. Isso, infelizmente, é uma realidade do nosso modo de produção, onde os riscos à saúde são sistematicamente deixados de lado. Essa é uma realidade dos frentistas e de tantas outras categorias profissionais.
Grande parte do tempo o trabalhador em si não subestima ou ignora o risco. Muitas vezes ele o deixa de lado para sobreviver a uma realidade de trabalho que lhe é imposta. Uma vez que a necessidade do trabalho e sua remuneração são importantes para sua subsistência, ele não ignora o risco de forma voluntária, e sim, o faz para que possa trabalhar e sobreviver.
Quando não se conhece o risco ao qual está exposto, campanhas educativas podem ajudar a minimizar o risco da exposição ocupacional. Isso é uma boa iniciativa para melhorar o processo de trabalho, mas nunca deve ser isolada.
A grande maioria dos donos de postos de combustíveis não só subestima os riscos da exposição de seus trabalhadores, mas sim os ignora, porque investir em saúde e segurança representa um custo para o empregador, que muitas vezes se preocupa apenas com o seu lucro, e não com a vida e saúde dos seus trabalhadores.
Reiteramos que isso não é exclusividade dos frentistas, é uma realidade do sistema capitalista, onde o lucro sempre é do empregador e o prejuízo (à saúde) do trabalhador.
Redação: Como os frentistas podem se proteger melhor no dia a dia? Quais são as principais precauções que eles devem tomar? Eles deveriam usar EPIs?
Leandro: Um passo importante na proteção destes trabalhadores é compreender os riscos aos quais estão expostos e como isso reflete em sua saúde. Campanhas com informações sobre esse aspecto são importantes, mas não suficientes. Essas campanhas podem ser promovidas pelos sindicatos, assim como empregadores.
Uma medida fundamental para a proteção é fazer o abastecimento dos veículos apenas no automático, pois isso reduz a exposição durante o processo.
A troca de roupas molhadas com combustível, assim como a lavagem frequente (de responsabilidade do empregador) também evita que o BTEX seja absorvido pela pele, o que aumenta os riscos da exposição. Essa é uma iniciativa que deve ser exclusivamente assumida pelos donos de postos.
O uso de máscaras e luvas é uma medida de proteção recomendada, porém há de se convir que o uso desse tipo de EPI nas altas temperaturas em que esses trabalhadores atuam é, em geral, algo muito incômodo, o que dificulta a aplicação na realidade de trabalho.
Outra medida de proteção bem adequada para este tipo de exposição é a recaptação de vapores de combustível pelas bombas de abastecimento, o que reduz consideravelmente a exposição de trabalhadores. Essa é uma medida a ser implantada em postos de combustíveis, que já está em vigor há tempos, porém os prazos de implantação não estão sendo respeitados, e foram recentemente prorrogados.
Redação: A pesquisa sugere mudanças ou regulamentações que poderiam tornar o trabalho dos frentistas mais seguro?
Leandro: Na verdade, pesquisas desse tipo sempre fazem recomendações que buscam melhorar a saúde e segurança dos trabalhadores. Estudos científicos nesse campo buscam trazer informações sobre como a realidade de trabalho afeta a saúde, em os aspectos.
Na época que estávamos desenvolvendo essa pesquisa, foi implementada a lei do abastecimento no automático, que diminui a exposição de trabalhadores durante o processo de abastecimento. Essa lei foi fruto de luta dos trabalhadores/sindicatos, e diversas ações nesse campo. Nosso projeto foi uma das ações que apoiaram essa lei.
O que sempre sugeríamos nesse tipo de pesquisa é que a vida dos trabalhadores seja respeitada, e isso só se faz quando a saúde deles é considerada. Para tanto, é necessário melhorar o processo de trabalho, fazer campanhas educativas, fornecer equipamentos de proteção (individual e coletiva) adequada, assim como, implantar medidas corretivas e avanços tecnológicos que busquem reduzir os níveis de exposição de trabalhadores.
Nossas pesquisas sempre sugerem que a vida dos trabalhadores seja respeitada. Para tal finalidade, toda e qualquer ação é válida!
Para saber mais sobre o assunto, acesse www.benzeno.ensp.fiocruz.br.
Imagem: Freepik
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