A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) enviou na noite de terça-feira à Abiove, associação que representa indústrias de óleos vegetais que atuam país, um ofício que abre brecha para o não pagamento do frete de retorno aos caminhoneiros que voltarem à sua origem sem carga depois de feita uma entrega.
Pagar pela volta do caminhão vazio pode mais que dobrar os custos de transporte rodoviário de grãos e, segundo representantes do setor, jogaria por terra a vantagem competitiva de fluxos logísticos mais recentes, como os do chamado “Arco Norte”.
Assinado pela superintendente Rosimeire Lima de Freitas, a carta é uma resposta a questionamentos feitos pela Abiove, mas ainda não é um posicionamento oficial. A expectativa do setor agrícola era que a agência reguladora fizesse os devidos esclarecimentos em seu site. Procurada, a ANTT informou que o ofício é apenas de um esclarecimento à entidade e que não há qualquer decisão em relação ao tema.
Apesar de não ser uma palavra final, o ofício foi celebrado – com cautela – pelas tradings. Dentre todas as consequências do tabelamento que garante um preço mínimo de transporte ao caminhoneiro, o frete de retorno vazio – e, portanto, não contratado – está entre as que mais provocaram críticas.
Para o setor, é uma medida “ilegal”, que fere o princípio da economia de mercado. Na ponta do lápis, a referida “ilegalidade” se traduz em custos extras de R$ 25 bilhões ao ano, de acordo com cálculos da Esalq-Log realizados em agosto.
Segundo uma fonte, a ANTT ponderou que o frete-retorno deveria seguir a nova regra caso fosse objeto do contrato. “Se a trading contratar só o trecho de ida, a volta, seja com ou sem carga, é responsabilidade do transportador”, disse. Portanto, a tabela se aplicaria ao frete carregado contratado.
A metodologia de cálculo do frete está inserida no Anexo I da resolução da ANTT, em linha com a lei no 13.703, que oficializou o preço mínimo para o transporte rodoviário após a paralisação de caminhoneiros que travou o Brasil. É nesse anexo que se formou a confusão atual envolvendo os pagamentos por retornos não desejados. Uma nova versão do anexo está prevista para janeiro de 2019.
Apesar da pressão do agronegócio sobre a ANTT e das conversas intensificadas na Casa Civil para reverter a medida – nas palavras de outra fonte, o setor passou a operar no “modo esperneante” em Brasília -, o que já se verifica, na prática, são arranjos comerciais entre empresas de transporte e tradings para um acordo considerado viável por ambas as partes. Nesse contexto, em vez de pagar o preço cheio estipulado para o retorno do caminhão vazio, tradings estariam pagando valores acima da tabela, mas longe das cifras duplicadas previstas pelo governo.
O não seguimento da tabela implicaria multa às empresas. Ninguém foi multado até o momento. O questionamento de esclarecimento à ANTT pela Abiove, no entanto, seria uma tentativa de proteção para evitar multas futuras e ajudar também na precificação da soja.
Fosse aplicado à risca, o frete-retorno seria especialmente danoso a algumas rotas logísticas. No eixo entre Sinop (MT) e Miritituba (PA), por exemplo, toda a vantagem competitiva de rodar menos e de estar mais perto de destinos como a Europa “iria para o ralo”, disse um trader. É um revés para empresas como Cargill, Bunge, ADM, Louis Dreyfus, Amaggi e Hidrovias do Brasil, que fizeram investimentos milionários em infraestrutura portuária no rio Tapajós.
“Mas o paralelo de Lucas do Rio Verde (MT) também poderia ser facilmente redefinido”, disse o trader. Essa linha imaginária determina que, do ponto de vista logístico, tudo o que estiver abaixo do município mato-grossense no mapa faria mais sentido seguir para Santos (SP; o que está acima, para os portos do Norte. “Se for mais barato sair pelo Sul, traremos mais soja de Sinop e Sorriso até Santos”, afirma um executivo de uma trading.
Cálculos realizados pela Abiove mostram que a imposição de uma tarifa dupla para o frete-retorno teria impactos significativos em todas as rotas. O trecho Sinop-Miritituba pularia de R$ 215 para R$ 338 por tonelada movimentada. Entre Sapezal (MT) e Porto Velho (RO), passaria de R$ 148 para R$ 338 por tonelada. E entre Sinop e Santos, considerando o escoamento integral por estradas, subiria de R$ 300 para R$ 721,80. Apenas uma parte pequena do volume que chega a Santos pagaria esses valores – 70% dos grãos são antes transbordados para a ferrovia em Rondonópolis.
Fonte: Valor Econômico
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