Exame toxicológico tabajara poderá causar milhares de mortes nas estradas
Os caminhoneiros brasileiros vivem em situação análoga a de escravos, conforme revelou matéria do Fantástico neste domingo. Submetidos a jornadas extenuantes, pressionados pelo horário da entrega, com ganhos reais cada vez menores, os motoristas profissionais estão a beira de um colapso coletivo.
Além das dificuldades financeiras, sofrem com a distância da família, dormem em cabines minúsculas, com um olho aberto e outro fechado com medo dos roubos, sendo abordados por traficantes e prostitutas enquanto dormem. Essa realidade cruel, que passa desapercebida da sociedade, fez com que muitos motoristas começassem a fazer uso de rebite e depois drogas pesadas, para se manterem mais horas acordados e conseguir atender a demanda dos donos da carga, os embarcadores. Estes últimos, junto com intermediários e transportadoras inescrupulosas, se aproveitam do desespero da categoria e oferecem cada vez menos exigindo cada vez mais.
Sabem que estão obrigando o motorista a dirigir sem parar, sem descansar e até em alta velocidade. Mas esses senhores feudais só tem compromisso com o lucro, não importa inclusive se os motoristas estão colocando em risco a sua vida e de terceiros. Afinal, apesar de representarem 5% da frota do país, os caminhões estão envolvidos em 30% dos acidentes nas estradas e 41% dos acidentes fatais.
Lógico que muitos usam drogas por irresponsabilidade mas a maioria fez uso do rebite pela primeira vez para não perder o serviço. Os traficantes perceberam o potencial desse mercado e estimularam o uso de cocaína. Com isso passaram a contar com consumidores espalhados em todo país, muitos dos quais, até para pagar as dívidas passaram a transportar drogas. Isso explica que atualmente os maiores transportadores de drogas do país são caminhoneiros, basta ver as apreensões das polícias rodoviárias.
Para combater essa situação dramática foi inserido na Lei 13.103/15, os exames toxicológicos obrigatórios de larga janela, o chamado teste de cabelo, que detecta o uso de drogas até 90 dias antes do consumo. Essa tecnologia revolucionária é uma poderosa arma de combate ao uso de drogas por motoristas profissionais pois os usuários regulares não poderão renovar as carteiras nas categorias C, D e E, caso não passem no exame. Isso inibe o uso e estimula a busca por tratamento.
Nos EUA as maiores transportadoras americanas estão pressionando o Governo para que possam optar entre usar o teste de cabelo ou de urina, que atualmente é obrigatório. Isto porque, todas as grandes transportadoras tiveram resultados surpreendentes de redução de acidentes com motoristas sob efeito de drogas quando passaram a utilizar o teste de cabelo. Somente uma transportadora que realizou 140 mil testes conseguiu reduzir a zero o índice de acidentes com motoristas sob efeito de drogas.
O problema é que no Brasil os grupos que exploram motoristas profissionais não tem interesse de que parem de usar drogas e rebites, porque sem isso não vão cumprir os prazos desumanos de entrega. Por esta razão começaram a surgir movimentos estranhos dentro do próprio Governo tentando evitar a aplicação dos exames. Inexplicavelmente, o Contran e Denatran adiaram a entrada em vigor, contrariando o que determina a lei.
Como os exames são tecnologia de ponta exigem Acreditação Internacional e validade forense, ou seja, serem aceitos na justiça. Alguns laboratórios brasileiros sem a qualificação necessária para esses exames e não querendo investir nas acreditações que exigem controles de qualidade, passaram a atacar os laboratórios qualificados, a maioria de origem estrangeira mas que já operam aqui há anos, fazendo exames do gênero para Polícia Federal, Abin, Polícias Militares, Companhias Aéreas e tantos outros.
O resultado desse lobby contra o exame de qualidade é que foi redigido um documento, inclusive com a participação de membros do Governo que para viabilizar os laboratórios brasileiros menos qualificados, retira as substâncias Mazindol, Anfepramona e Femproporex (estimulantes), os chamados rebites, que constitui a droga de iniciação nos motoristas profissionais. Além disso, outras alterações nos controles de qualidade do exame comprometem totalmente os resultados e o documento que poderá ser submetido esta semana no Contran. Acreditação internacional é essencial para dar credibilidade aos exames. Já basta a vergonha que o Brasil passou na Copa do Mundo quando todos os exames antidopíng precisaram ser mandados para a Suíça porque o laboratório brasileiro perdeu a acreditação internacional.
Caso isso seja aprovado,teremos exames tabajaras que não vão detectar o uso de rebites, por exemplo. O motorista que fizer o exame e for usuário de drogas não vai reclamar caso o resultado der negativo para rebite e drogas e ainda terá um documento oficial atestando que não faz uso de drogas quando na realidade dirige sobre efeito delas, colocando em risco a sua vida e de terceiros.
O que seguramente vai agradar quem explora essa mão de obra. Por outro lado, vai tirar do mercado os laboratórios com acreditação internacional que são obrigados a seguir rígidos padrões de controle e não podem oferecer exames com certificação “tabajara”.
O Ministério do Trabalho percebeu essa armadilha e estabeleceu critérios para os exames toxicológicos de larga janela, dentro dos parâmetros adotados pelas certificadoras mais respeitadas do mundo científico, que inclusive inclui as substâncias que estão sendo excluídas no documento que está circulando em Brasília.
Fica o alerta para toda sociedade. Não podemos diagnosticar a dimensão do problema do uso de drogas dos motoristas profissionais no país, particularmente caminhoneiros, com tecnologia científica de primeiro mundo, como fez o Ministério Público do Trabalho na matéria do Fantástico e depois abrir a porta para os exames sem qualidade, feito por laboratórios sem compromisso com padrões científicos necessários.
Isto vai praticamente dar uma autorização para motoristas drogados trafegarem nas rodovias. O tiro pode sair pela culatra causando a morte de muita gente nas estradas. Por isso, os exames de larga janela tem que respeitar as mesmas regras estabelecidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, afinal, além de ter estudado o assunto com a seriedade necessária, o MTE entende muito mais da saúde do trabalhador que o Denatran.
O fato é que motoristas profissionais com exame tabajara vão ganhar um salvo conduto para matar e morrer nas estradas. Esperamos que os membros do Contran não caiam nessa armadilha, porque a responsabilidade será de cada um deles.
Autor: Rodolfo A Rizzotto – Coordenador do SOS Estradas e autor do estudo: “As Drogas e os Motoristas Profissionais”
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