Chuvas e maior fluxo de caminhões travam a BR-163 no Pará

Fila de caminhões na BR-163 (Foto: Fernando Martinho)

Principal rodovia de escoamento da produção agrícola vai suportar 4 milhões de toneladas a mais este ano e 1.600 caminhões por dia

O agricultor gaúcho Argino Bedin tinha 25 anos quando chegou a Mato Grosso, ainda no final da década de 1970, e decidiu fincar raízes em uma agrovila a 412 quilômetros ao norte de Cuiabá. Na mesma época, vindo do noroeste do Paraná, José Carlos da Silva, então com 18 anos, seguiria ainda mais longe. Seu pai, um pequeno sitiante em Goioerê, havia vendido tudo para buscar terras baratas e uma vida nova no sul do Pará.

Com trajetórias distintas, esses migrantes se tornariam personagens da história de sucessos e fracassos, avanços e retrocessos que fez a fama da BR-163, no lendário trecho de 1.700 quilômetros entre Cuiabá e Santarém (PA). Foram também testemunhas das várias vezes em que a data de conclusão da obra teve de ser remarcada ao longo dos últimos 40 anos. Da beira da rodovia, viram passar comitivas com presidentes e ministros, governadores e parlamentares de todos os partidos. Ouviram discursos inflamados, que depois se mostraram vazios.

“Meu pai morreu e não viu a estrada pronta”, diz José Carlos, hoje com 57 anos e dono de uma borracharia nas proximidades do distrito paraense de Moraes Almeida (município de Itaituba), localizado 400 quilômetros acima da divisa com Mato Grosso. Há cerca de uma década, a região vivencia um novo ciclo de expectativas renovadas. Lançadas em julho de 2008, as obras de pavimentação da rodovia ainda não alcançaram, em abril de 2018, uma meta que já deveria ter sido cumprida há seis anos: levar asfalto aos cerca de 900 quilômetros não pavimentados do trecho.

O cenário mudou, é inevitável reconhecer. Em 2012, primeiro ano do projeto Caminhos da Safra, a reportagem de Globo Rural percorreu em um caminhão bitrem toda a extensão da Cuiabá – Santarém e contou 335 quilômetros com pavimentação nova e um total de 568 quilômetros a asfaltar.

Em março deste ano, restavam cerca de 250 quilômetros a concluir, todos com obras já contratadas e em execução. Se considerada apenas a rota até as cinco estações de transbordo de grãos em operação na localidade de Miritituba, na margem direita do Rio Tapajós, os trechos de chão somam pouco mais de 90 quilômetros.

O que seria uma boa notícia, porém, se revela um copo meio vazio. Parte significativa dos trechos já concluídos está em más condições, com quilômetros de buraqueira e faixas de acostamento a virar farelo. Com as chuvas amazônicas e o tráfego pesado, estimado em cerca de 1.600 carretas bitrem por dia, a degradação do pavimento é acelerada.

Para fugir dos buracos, caminhoneiros trafegam em um arriscado zigue-zague. Nos pontos em que não há asfalto, o piso escorregadio torna os trechos de subida um desafio aos motoristas. E, quando não chove, a poeira toma conta, reduzindo a visão.

Nos trechos mais críticos, a situação é amenizada pela Operação Radar, uma ação conjunta do Exército, Polícia Rodoviária Federal e DNIT para assegurar a trafegabilidade e evitar o caos vivido no ano passado, quando milhares de motoristas ficaram presos e chegaram a passar fome e sede em meio aos atoleiros.

Nesta edição, Caminhos da Safra partiu novamente de Cuiabá em direção ao norte e, ao longo da viagem, localizou alguns dos personagens que haviam sido entrevistados na primeira edição, há seis anos, e pediu um balanço do período. No acerto de contas entre o sonho e a realidade, todos reconhecem que resta muito a fazer, mas não desanimam.

“Se você ficar esperando que o poder público faça a infraestrutura para então trabalhar, você nunca começa. Tem de meter o peito e fazer acontecer. De 2012 para cá, aumentamos muito a produção e a rodovia não ficou pronta”, avaliou Argino Bedin, hoje com 67 anos e grande produtor de soja e milho em Sorriso.

Irreversível

Desde a safra 2016/2017, o sonho da rota de escoamento em direção ao Norte, vocação original da BR-163, se tornou uma realidade irreversível: 7 milhões de toneladas de grãos seguiram pela rodovia até Miritituba e Santarém. Para este ano, o volume deve saltar para 11 milhões de toneladas.

A previsão é do diretor executivo do Movimento Pró-Logística em Mato Grosso, Edeon Vaz, que sempre acompanhou de muito perto as idas e vindas do projeto de pavimentação. Segundo ele, mesmo com a obra incompleta, o envio de cargas pela rota norte já alcançou certa lógica econômica a partir de Sorriso, embora ainda não traga as vantagens que se espera.

Para Santos (SP) e Paranaguá (PR), o frete em meados de março estava em R$ 315 e R$ 325 por tonelada, respectivamente. De Sorriso a Miritituba, com 1.070 quilômetros pela BR-163, o custo varia entre R$ 180 e R$ 245, a depender das condições de tráfego.

“Diria que, de Sorriso para cima, a nova rota ainda empata com a saída por Santos, porque ainda tem um trecho de barcaça a percorrer antes do embarque no navio. A vantagem competitiva, ou seja, o benefício ao produtor, é com a rodovia pronta”, avalia.

Segundo Edeon, a rota tem potencial muito maior. “Acredito que esta rodovia consiga levar até 30 milhões de toneladas, pois é plana e tem muitos pontos com segunda faixa, que permitem uma velocidade média maior”, disse.

Cerca de 250 quilômetros entre Cuiabá (MT) e Santarém (PA) ainda não foram asfaltados”

Integrante de uma cooperativa que reúne mais de 160 produtores de Sorriso e que deverá colher cerca de 1,5 milhão de toneladas de soja e milho em 2018, o gaúcho Elso Pozzobon, de 64 anos, disse que metade desse volume deverá se escoado por Miritituba e Santarém. “A gente precisava disso. Só não evoluiu mais, para 80% ou mesmo 90%, por causa das condições de trafegabilidade da BR e todos os percalços que são encontrados. Temos capacidade ociosa lá cima, nos terminais de Miritituba”, afirmou ele.

Atualmente, operam naquele ponto do Tapajós cinco estações de transbordo de carga. A capacidade estática de todas as estruturas é de 16,5 milhões de toneladas. Mesmo com os problemas, segundo ele, a nova rota já contribui com a operação de escoamento da safra. “Se estivéssemos levando essa carga para o Sul, estaríamos com a rodovia travada por aqui. Imagine mais 11 milhões de toneladas em cima dessa rodovia descendo para Santos e Paranaguá”, avaliou.

Transformação

Ao longo do trecho paraense, o cenário se transforma rapidamente. Postos de combustível, borracharias, oficinas mecânicas, hotéis e restaurantes, antes artigos raros, agora são encontrados em quase todos os vilarejos.

Nas casas, a madeira dá lugar à alvenaria e a fachada dos comércios recebe painéis novos e coloridos. A oferta de conexões gratuitas à internet é crescente, o que ajuda a compensar a falta de sinal de telefonia celular na maior parte dos vilarejos.

O movimento de caminhões nunca para, e os motoristas se viram como podem para enfrentar um desafio que, em média, paga fretes mais atraentes. Quando encontrou a reportagem da Globo Rural, o paranaense Antônio Junior, de 30 anos, completava sua décima travessia em 45 dias.“Não esperava o que encontrei aqui. A estrada está péssima. As autoridades deveriam olhar isso aqui com mais respeito. Tem pedaço feito recentemente que já está todo estragado”, reclamou.

Esse ritmo intenso cobra seu preço. Em apenas um dia, em um espaço de 200 quilômetros de rodovia, a reportagem contou três carretas tombadas. A sobrecarga de viagens e a inexperiência com uma rodovia nessas condições são apontadas como a causa principal dos acidentes.

“Isso aqui é um perigo. É um tráfego muito pesado para uma rodovia sem condições. E tem muita gente novata, que nunca viu uma estrada assim”, queixou-se Romildo de Oliveira, que faz a rota Sinop-Miritituba cinco vezes por mês.
Na borracharia de José Carlos da Silva, a clientela diária é muito maior agora, como prova a pilha de pneus dilacerados que se acumula ao lado de seu estabelecimento. “No passado, isso aqui era um paradão. Chegava a passar 15 dias sem passar ninguém”, disse.

No distrito de Bela Vista do Caracol, um trecho não pavimentado de 35 quilômetros, que abrigou o epicentro da crise do ano passado, recebeu uma camada de pedras britadas ao longo de toda a sua extensão. O percurso, por isso mesmo, tem trepidação excessiva, mas, felizmente, nenhum atoleiro.

O ponto mais crítico neste ano é a chamada Serra do Moraes, nas proximidades do distrito de Moraes de Almeida. Na ida e na volta, a reportagem da Globo Rural deparou com bloqueios determinados pelas equipes da Operação Radar. As filas chegavam a 10 quilômetros nos dois sentidos da rodovia.

No local, além de subidas íngremes e escorregadias, que deram ao local a alcunha de Serra do Sabão, estão em andamento obras relativas ao convênio de R$ 128 milhões firmado no ano passado entre o DNIT e o Exército para a conclusão de 65 quilômetros de pavimentação da rodovia – incluindo o trecho da serra. “Vamos reduzir a inclinação da serra de 11 para 7 graus, tornando o percurso mais adequado para os veículos pesados. Mas, para isso, temos de começar agora, ou não conseguiremos avançar plenamente na seca”, justifica o major Osmarildo de Souza, comandante do Destacamento Xingu, ligado ao 8o Batalhão de Engenharia de Construção (BEC) e responsável pela obra.

Quatro bases de controle e monitoramento foram instaladas entre Novo Progresso e o município de Trairão, para assegurar fluidez ao tráfego. Homens, tratores, caminhões e até uma ponte móvel metálica, com 54 metros de extensão, fazem parte da estrutura disponível para evitar o caos.“Quando ocorre algum problema, como um caminhão atravessado na pista, temos condição de dar uma resposta rápida a fim de evitar que o problema se agrave e se formem aquelas filas do ano passado”, explicou o major.

Promessas

Em agosto do ano passado, o governo federal estabeleceu uma nova “promessa” relacionada à BR-163: concluir ainda em 2018 a pavimentação dos cerca de 100 quilômetros restantes entre a divisa MT-PA e o distrito de Miritituba.

Para Edeon Vaz, a tendência é que, mais uma vez, a data da “inauguração” tenha de ser remarcada. Segundo ele, a previsão mais otimista é que a BR-163 feche o ano com 60 quilômetros a mais de pavimentação naquele trecho. Sobre um futuro ideal, Edeon acredita que o modelo de concessão da rodovia não deva ser aquele que cobra pedágio para operar e investir nas rodovias. “A alternativa mais viável para o trecho paraense da rodovia será uma concessão de manutenção, senão o pedágio ficará muito caro.”

Fonte: Revista Globo Rural
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