Vinte anos depois das primeiras concessões, permanece o desafio de combinar bons serviços e tarifas justas de pedágio
Os usuários das rodovias são obrigados a optar entre estradas boas com pedágios elevadíssimos e rodovias com tarifas baixas e quase intransitáveis
Para viajar por 213 quilômetros entre Ponta Grossa, no interior do Paraná, e o Porto de Paranaguá, no mesmo estado, o motorista gasta 31,9 reais em pedágios na BR-277, operada pela Rodovias das Cataratas desde 1997, uma das primeiras concessões do País. Para percorrer praticamente a mesma distância entre Curitiba e o Porto de Itajaí, em Santa Catarina, na BR-376 e na BR-101, parte das concessões federais de 2007, pagam-se 5,4 reais. Apesar do pedágio mais baixo, a estrada, operada pela Autopista Litoral Sul, é mal avaliada pelos usuários, por causa dos atrasos nas obras. Os dois casos ilustram as disparidades das concessões de rodovias no País, baseadas na Lei nº8.987, de 1995. Os usuários são obrigados a optar entre estradas boas com pedágios elevadíssimos e rodovias com tarifas baixas e quase intransitáveis. A rodada de concessões federais em 2013 foi um avanço, segundo especialistas, ao criar condições para a combinação de tarifas baixas com uma maior exigência de desembolso e investimentos das concessionárias antes da cobrança dos pedágios.
Problemas com concessões eventualmente envolvem governadores. Em 2002, o Paraná ampliou irregularmente um trecho de rodovia explorado pela Caminhos do Paraná. No mesmo ano, o candidato Roberto Requião foi eleito com a proposta de baixar os pedágios dos contratos em vigor. A briga foi parar na Justiça e as concessionárias venceram. Em 2011, o ex-governador do Paraná Jaime Lerner foi condenado por conta da irregularidade cometida em 2002, mas o crime prescreveu.
Os elogios dos usuários às boas condições de algumas vias são acompanhados de críticas aos pedágios extorsivos, que pesam no bolso dos donos de automóveis e passageiros de ônibus e reduzem a competitividade dos transportadores de cargas. A tarifa média em São Paulo, onde foram concedidos 3,5 mil quilômetros de rodovias em 1998 e 1,8 mil quilômetros em 2008, é de 12,76 reais por 100 quilômetros, atrás apenas do Rio de Janeiro (12,93 reais) e acima da média brasileira (9,04 reais). Os contratos assinados pelo ex-governador Mario Covas garantem atualmente às empresas, entre elas as maiores empreiteiras do País, uma lucratividade não encontrada em outros investimentos de infraestrutura.
As condições econômicas desfavoráveis da época do início das concessões, com juros e dólar altos, são a justificativa do estado de São Paulo para aceitar uma taxa interna de retorno média de 19,3% ao ano para as concessionárias, mais do dobro dos 8,9% adotados nas concessões federais em 2007. Permanece sem explicação, entretanto, a não renegociação dos contratos com a mudança do ambiente de negócios, que não justificava mais porcentuais daquela magnitude. Pesa nas tarifas o critério de escolha, na licitação, do maior valor de outorga pago pelas concessionárias ao estado, em detrimento do custo baixo do pedágio. O governo paulista arrecadou em dois lotes de rodovias 14,7 bilhões de reais em valores correntes. No primeiro lote, o impacto na tarifa é de, aproximadamente, 10%, segundo concluiu a Comissão Parlamentar de Inquérito implantada na Assembleia Legislativa de São Paulo em 1999.
O modelo pautado na modicidade tarifária, adotado no governo Lula a partir de 2007, significou uma contraposição à fórmula paulista. Extinguiu-se a cobrança de outorga, baixou-se a taxa interna de retorno e definiu-se como critério de classificação a proposta de tarifa mais baixa. O formato atraiu a espanhola OHL, que arrematou cinco dos sete lotes leiloados.
Não demorou muito para os atrasos de obras essenciais evidenciarem a incapacidade de a empresa realizar os investimentos e as fragilidades do novo modelo. A OHL se desfez das concessões no fim de 2012, um ano depois do prazo da entrega das obras, não cumprido. Segundo a companhia, a demora na liberação de licenças ambientais e os constantes pedidos do Poder Público para mudanças no projeto causaram os seus problemas. Outra explicação é a tarifa excessivamente baixa, insuficiente para arcar com os custos das obras.
No mesmo ano, os contratos da OHL foram assumidos pela Arteris, controlada pela espanhola Abertis, a maior concessionária de rodovias do mundo, e os prazos foram prorrogados para 2017. Depois da assinatura, em 2013, de termos de ajuste de conduta com as concessionárias que apresentavam atrasos, a Agência Nacional de Transportes Terrestres garante que 79% das obras previstas estão concluídas ou em execução.
Os problemas levaram os governos a rever o desenho das suas concessões. São Paulo adotou um modelo híbrido em 2008, de combinação do critério do menor pedágio com o pagamento de outorga, mas não obteve uma tarifa significativamente mais baixa. O preço por 100 quilômetros, de 13,65 reais nas concessões da década de 1990, ficou em 10,62 reais. Os questionamentos levantados pela segunda CPI do Pedágio da Assembleia Legislativa de São Paulo, instalada em 2014, não provocaram a revisão dos contratos antigos.
Uma medida de 2006 do governo paulista aumentou ainda mais os ganhos das concessionárias. A prorrogação do contrato de 10 das 12 empresas por até oito anos gerou um ganho indevido de 2 bilhões de reais até 2012, segundo a Agência de Transportes do Estado de São Paulo. Para o órgão regulador, os critérios usados para o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos resultaram em aumento da taxa interna de retorno das empresas. A TIR da Autoban passou de 19,78% para 20,25%. O ex-governador Cláudio Lembo, que assumira o mandato no lugar de Geraldo Alckmin, licenciado para concorrer à Presidência da República, disse à época não saber o conteúdo da prorrogação que assinou. O caso continua em análise e há questionamentos na Justiça, afirma a Artesp.
No leilão de 2013, o governo federal adotou novas exigências. Fixou tarifas-teto mais altas e condicionou o início da cobrança de pedágio à duplicação de 10% da rodovia. Segundo Paulo Resende, coordenador do Núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral, o formato é mais equilibrado, por perseguir a modicidade tarifária sem inviabilizar o investimento. “A exigência de um desembolso da concessionária antes da cobrança da tarifa forçou a formação de consórcios financeiramente fortes, com capacidade de realizar as obras necessárias.” O pedágio de 2,64 reais/100 km na BR-163, concessão arrematada pela Odebrecht, e o de 2,85 reais das BRs 060, 153 e 264, concedidas à Triunfo, entre Brasília e Belo Horizonte, confirmam o avanço em relação ao modelo antigo, representado na tarifa média de 12,76 reais nas rodovias de São Paulo.
Para Joísa Dutra, professora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da FGV, o governo federal corrigiu os erros da rodada anterior ao estabelecer requisitos mais rigorosos em relação às responsabilidades dos concessionários. Nas próximas concessões, ela prevê, porém, a necessidade de investimentos maiores e dificuldade em manter baixos os pedágios. Propõe o uso da Parceria Público-Privada, para garantir segurança jurídica à contrapartida do governo. Segundo Resende, a PPP não resolve o problema da desconfiança do setor privado em relação ao orçamento público. A melhor solução, diz, está no formato das concessões adotado em 2013. Para a Associação Brasileira de Concessões de Rodovias, não há um modelo melhor que o outro, pois depende dos objetivos do governo e das características do projeto. A entidade prevê investimento 55 bilhões de reais em concessões no País nos próximos cinco anos. A intenção do Planalto era licitar neste ano mais cinco trechos de rodovias. O ajuste fiscal coloca, porém, os planos em compasso de espera.
Resposta da Arteris:
A Autopista Litoral Sul dedica constantes esforços para melhorar as condições de tráfego, serviço e segurança dos usuários, diferente do que sustenta a reportagem “Estradas sinuosas”, da última edição de CartaCapital. A concessionária investiu mais de R$ 1,4 bilhão desde 2008. Os recursos garantiram a recuperação de 358 quilômetros de vias duplicadas, um trevo concluído e seis em andamento, 29 passarelas e 30 quilômetros de terceiras faixas concluídos. Desta forma, não procede que a rodovia tem baixa aprovação por falta de obras. A taxa de satisfação dos usuários é elevada, conforme pesquisa recente. A Arteris promove um intenso programa de infraestrutura, não procedendo que a baixa tarifa representa um entrave. Em 2014, a companhia investiu R$ 1,9 bilhão, sendo 85% em estradas federais.
Assessoria de imprensa da Arteris
*Reportagem publicada originalmente na edição 840 de CartaCapital, com o título “Estradas sinuosas”
FONTE: Carta Capital – SP
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