Dia Das Mulheres: O novo retrato do setor de transportes no Brasil

Luana trabalha como motorista de carreta. (Imagem: divulgação/Bravo Serviços Logísticos)

Composto majoritariamente por homens, o setor de transporte rodoviário de cargas no país tem apresentado mais oportunidades para mulheres que querem ingressar na área. Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), revelam que, em 2023 houve o aumento de 5,31% na contratação de mulheres no segmento. Foram registradas 104.734 admissões no ano passado, contra 99.447, em 2022.

Apesar da transformação no mercado de trabalho, as mulheres ainda sofrem com o preconceito, assédio, machismo e desigualdade salarial mesmo ocupando o mesmo cargo que o homem. Além disso, a maioria convive com a sobrecarga de funções assumindo, muitas vezes, o papel de chefe da família, de cuidado com o lar, crianças e idosos, de limpeza doméstica, sempre conciliando todas essas tarefas com o trabalho formal.

Vale ressaltar que a desigualdade de gênero interfere, principalmente, na economia, devido à desvalorização do trabalho feminino, diminuindo o poder de compra. Além disso, também impacta a formação educacional feminina, limitando seu acesso a oportunidades de atualização e, consequentemente, dificultando seu posicionamento no mercado de trabalho. Ou seja, o ciclo se repete.

Para mudar essa realidade, é preciso que o governo invista em políticas públicas que garantam, façam valer, os direitos das mulheres e desonerem a carga ocupacional das mesmas, aumentando o acesso a informação e a capacitação, e ainda incentivando sua participação no mercado de trabalho e na política.

Neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, a redação do Chico da Boleia conversou com trabalhadoras do setor de transportes, abrindo espaço para suas histórias e experiências, como forma de homenagear a todas que fazem diferença na construção do país, de forma mais justa e igualitária. Confira:

Luana de Souza Silva, 32 anos

Motorista de carreta na Bravo Serviços Logísticos há 1 ano e 9 meses. Atua na profissão há 8 anos

  1. Quais foram as principais dificuldades encontradas ao escolher atuar em um segmento majoritariamente masculino?

Luana: Acredito que o início da carreira de motorista para a mulher seja o principal desafio. É difícil o mercado dar confiança para essa primeira experiência. Além disso, não podemos deixar de destacar os desafios do dia a dia, já que o ambiente ainda é muito masculinizado, como por exemplo, os banheiros das paradas.  Mas, essa realidade está mudando com o crescimento das mulheres na profissão.

  1. Como vê os desafios enfrentados pelas mulheres na indústria de transporte e logística?

Luana: O receio do mercado é que não sejamos tão suficientes como os homens, ainda falta confiança. Mas estamos mudando aos poucos esse cenário.

  1. Você vê uma mudança no cenário atual, na qual há uma participação maior de mulheres em diferentes setores, principalmente em cargos de liderança? Se sim, quais fatores ajudaram nessa transformação?

Luana: O caminho é longo, mas não podemos desistir. Faltam motoristas no mercado e eu acredito que se todas as mulheres tivessem a oportunidade com o respeito que eu tive, o cenário seria diferente. Eu precisei de uma empresa para confiar no meu trabalho e abrir portas para eu estar onde estou. Minha mensagem é: não desista dos seus sonhos, eu recebi muitos nãos, mas como desde pequena sonhei com isso, eu persisti e abracei a oportunidade quando tive. Não desanime quando as pessoas falarem que você não é capaz. Lugar de mulher é onde ela quiser.  E para isso, precisamos cada vez mais também de empresas que olhem para isso e deem confiança, independente da profissão/posição que for.

  1. O que ainda precisa ser feito para reduzir as desigualdades entre homens e mulheres que ocupam a mesma função?

Oportunidades e confiança. Já somos capazes, precisamos apenas cada vez mais ter esse voto de confiança.

  1. Quais preconceitos já sofreu ao longo da carreira?

Infelizmente de vez em quando escutamos alguma piadinha, algum comentário desnecessário.

  1. Qual mensagem/dica deixa para as mulheres que desejam ingressar no segmento de transportes ou logística, por exemplo?

 A dica é buscar empresas que deem oportunidades de trabalho para as mulheres e suporte, como treinamentos e cursos, para que elas se desenvolvam na profissão e se aperfeiçoem cada vez mais, como aconteceu comigo na Bravo – comecei como motorista de toco e graças a oportunidades e treinamentos hoje eu dirijo carreta.

Gislaine Zorzin, 48 anos

Diretora Administrativa, da Zorzin Logística

Gislaine Zorzin é diretora administrativa de uma empresa de logística. (Imagem: divulgação)
  1. Como foi sua jornada profissional até tornar-se Diretora Administrativa da Zorzin Logística? Como vê a participação de mulheres em cargos de liderança para o setor de transportes e logística? Quais foram suas inspirações ao longo de sua carreira?

Comecei com 14 anos na empresa do meu pai, bem pequena. Passei por todos os departamentos. Comecei datilografando conhecimento de transporte, que hoje é o CTE, eletrônico, mas na época era tudo manual, então fiquei muito tempo fazendo isso e ficava junto com a operação, conhecendo o dia a dia. Depois eu passei para o financeiro, onde eu fazia o controle da folha de pagamento, os pagamentos de contas, recebimentos, entre outras funções. Assim fui passando por vários departamentos administrativos, até conhecer como tudo funcionava.

Ao longo de todos esses anos, foi assim, até o dia que meu pai passou o comando da empresa para mim e para o meu irmão. Dessa forma, comecei a ter uma participação mais ativa na direção, atuando com a liderança, aprendendo com as faculdades que fiz e com os percalços do dia a dia.

Creio que profissionalmente, ainda tenho muita coisa para aprender e eu vejo, e todos os dias estou disposta a isso. Hoje vejo a participação das mulheres em cargos de liderança no setor como algo primordial. Esse é um setor extremamente masculino, mas que está de portas abertas para as mulheres e eu fico muito feliz de ver isso. Sinto que os próprios colaboradores que atuam nas operações, possuem uma admiração grande pelas mulheres no comando e o respeito se desenvolve. Sinto isso dentro da Zorzin Logística, pois aqui também foi um processo natural.

  1. Quais são os principais desafios que as mulheres enfrentam nesse segmento?

Acredito que um dos principais desafios que as mulheres enfrentam nesse segmento é o machismo em primeiro lugar, creio que muitas mulheres que trabalham no TRC já passaram por situações de desconforto, onde temos sempre que colocar nossa capacidade a prova. Além disso, os desafios diários que envolvam liderança, organização, cativar as pessoas. São os desafios que acho que todo empresário tem, independente do gênero.

  1. Como a empresa promove a participação de mulheres em áreas como inovação e tecnologia na logística? Existem programa ou iniciativas para incentivar o interesse do público feminino nesses campos?

Na Zorzin, estamos abrindo muito as vagas e participação feminina na nossa empresa. Esse ano, principalmente, estamos apoiando a participação do nosso time administrativo, que é composto por muitas mulheres, a estarem mais presentes nos eventos dos sindicatos, nas associações, para elas também terem a oportunidade de conhecer novas tecnologias, novos processos, realizar um networking e conhecer pessoas para fazer esse benchmark com outras pessoas atuantes do setor.

Temos também um programa de incentivo ao estudo, onde o colaborador interessado em realizar um curso ou faculdade que agregue no seu desenvolvimento, nós subsidiamos parte desse custo como um incentivo para a pessoa perseguir o que ela quer.

  1. Como a empresa promove a diversidade e inclusão, principalmente no que diz respeito à representação feminina?

Participamos ativamente dos movimentos voltados à diversidade e representatividade feminina no setor como o Movimento Vez&Voz, do qual faço parte da vice coordenação, o A Voz Delas, da Mercedes-Benz em prol de trazer a representatividade e aumentar essa visibilidade no nosso setor.

A Zorzin Logística é uma empresa muito aberta à diversidade e buscamos promover, principalmente, a inclusão. A diversidade chega por meio de currículos, de pessoas que querem começar a trabalhar conosco e nós que queremos agregar. A pessoa tem que se sentir parte da nossa empresa e sentir que ela é bem-vinda, aceita, que ela é necessária, como todos nós somos. Então, são através de ações, de conversas, de bate-papo, de reuniões, que a gente promove isso.

Hoje a gente tem o departamento, o Departamento de Desenvolvimento Humano e Operacional, que cuida dessa parte de trazer discussões a fim de estreitar os vínculos entre as pessoas. Então, é com esse tipo de ação que buscamos fazer a diferença.

  1. Quais lições aprendidas ao longo da sua carreira que gostaria de compartilhar com outras mulheres que desejam atuar no setor?

Eu aprendo todo dia e o maior prazer que eu tenho de trabalhar no transporte de cargas é a responsabilidade social que a gente tem e o impacto que temos na sociedade.

Aqui na Zorzin, por exemplo, temos operações que são relacionadas ao transporte de produtos perigosos, distribuição de oxigênio, itens que estão diretamente ligados na qualidade de vida, saúde, dentre tantos outros aspectos, no dia a dia das pessoas.

Tenho muito orgulho e gosto sempre de compartilhar esse sentimento com as pessoas, justamente por sermos um setor essencial e luto muito para que o TRC seja mais reconhecido e mais bem remunerado. Que todos realmentepossam entender essa grande importância.

  1. A empresa está envolvida em iniciativas de responsabilidade social voltadas para o empoderamento das mulheres na comunidade ou na indústria de logística?

Sim, estamos estreitamente ligados aos Movimentos que citei anteriormente e em seus projetos. Como citei, aqui na Zorzin acreditamos no potencial delas e damos todo o espaço para elas se desenvolverem profissionalmente, até se tornarem grandes gestores. Não incluímos mulheres somente para preencher o nosso quadro, incluímos as mulheres porque elas são capazes e esse processo tem muito reconhecimento de todo o engajamento que temos através dessas iniciativas com os Movimentos, que nos inspira.

  1. Você vê uma mudança no cenário atual, na qual há uma participação maior de mulheres em diferentes setores, principalmente em cargos de liderança? Se sim, quais fatores ajudaram nessa transformação?

Eu vejo sim que há uma mudança, são pequenos passos, mas são passos que que não param. Eu vejo que hoje a mulher é muito mais respeitada no cenário empresarial e queremos reconhecimento pelo nosso trabalho.

Esse conjunto de processos e lutas que acontecem é o que realmente muda o mundo. Apesar de serem passos pequenos, se você for pegar historicamente, eu acho que estamos crescendo e alcançando, cada vez mais, patamares melhores para as mulheres.

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