Não fosse a pista moderna com amplas faixas, parece termos voltado à década de 1980 na rodovia dos Bandeirantes, a principal “avenida” do Estado de São Paulo, via responsável por movimentar riquezas na região que concentra o maior Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil.
A quantidade de caminhões velhos em circulação entre São Paulo e a região de Campinas impressiona a quem está mais atento. São modelos antigos da Ford, Mercedes-Benz, como os MB 1313, 1111, cavalos antigos da Volvo, Scania (até “Jacaré”), marcas então predominantes duas, três décadas atrás.
Numa contagem aleatória visual, nos trechos mais movimentados da Bandeirantes na semana passada, percebe-se que, de cada dez caminhões, entre seis e sete são modelos com muita quilometragem na carcaça.
Veículos que já deveriam ter sido descartados há muitos anos ainda continuam operando em clima frenético na região mais desenvolvida do País, onde se concentram as principais cadeias de produção e suprimento talvez não do Brasil, mas de toda a América do Sul.
Pergunta óbvia que vem à cabeça: por que esses caminhões ainda estão rodando em uma rodovia cujo alto valor do pedágio indica que ali deveria estar rodando os veículos de carga mais novos?
Com distanciamento dos maiores centros urbanos, a situação se repete ou piora. Até chegarmos à Ilha Solteira, na divisa de São Paulo com Mato Grosso, é grande o número desses dinossauros em condições miseráveis de uso.
Esse contato visual é a prova do quanto a crise econômica afetou as empresas do transporte rodoviário de carga. O cenário é de uma enorme frustração para todos os envolvidos nesta cadeia de negócios.
Com efeito, uma das maiores explicações para este fenômeno de deterioração está na pesquisa realizada pela NTC&Logística com o Índice de Variação do INCT, após trabalho em parceria com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) sobre a condições de operação em 2017.
No total, 40,6% de 2.495 empresas de transporte rodoviário de carga em todo o Brasil ouvidos pela pesquisa estão com parte da frota parada em razão da defasagem de 20,60% nos fretes de carga de lotação e 13,95% para carga fracionada.
De acordo com a NTC&Logística, com a crise, toda a cadeia produtiva foi afetada e o pagamento do frete ficou prejudicado. 52,4% das transportadoras estão com fretes a receber em atraso, o que significa, em média, que as empresas demoram 25,9 dias para receber o pagamento.
“O setor de transporte rodoviário de carga foi fortemente atingido pela situação econômica do Brasil dos últimos quatro anos”, afirma José Hélio Fernandes, presidente da NTC&Logística.
“As empresas transportadoras lutaram para se adaptar à nova realidade do mercado, reduzindo custos, diminuindo de tamanho, cedendo a exigências e, principalmente, reduzindo o frete”, diz.
Nesse cenário, os caminhões mais antigos voltam a ser mais utilizados, pois já estão mais do que amortizados. Segundo um transportador que não quis se identificar, com o frete mais baixo, muitas empresas de transporte passaram a terceirizar serviços, deixando a frota mais nova para rotas mais rentáveis, geralmente, as de longo curso.
Numa visita ao Terminal de Cargas de São Paulo, às margens da rodovia Fernão Dias, percebe-se também que diminuiu a concentração de caminhões estacionados à espera de frete. “Eles ficam bem menos dias parados do que ficavam cinco seis anos atrás, quando a economia estava melhor”, afirma o agenciador de carga, João Mendes Santana.
“Se ainda continuam mal remunerados em razão dos custos altos da estrada com diesel e alimentação, pelo menos estão trabalhando e mantendo o veículo, situação melhor do que a quando estavam parados”, comenta Santana.
De acordo com a pesquisa da NTC&Logística, os fatores que mais contribuíram para o agravamento da situação do frete em 2017 foram, em primeiro lugar, os aumentos dos custos, em especial o do combustível (9,44% nos postos e 12,49% nas distribuidoras), depois as majorações de salários, que chegaram a 4,50%, aumento das despesas administrativas da ordem de 3,55%, manutenção (1,94%), preço dos pneus novos (7,56%) e preço dos veículos (8,60%).
O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Antonio Megale, voltou a dizer, na última reunião da entidade, que as montadoras ainda lutam por um plano de renovação de frota, ainda que, no atual contexto de recuperação econômica, tudo fique mais difícil, porque nenhum dos atores envolvidos, principalmente o governo, abre mão das receitas.
O presidente da Mercedes-Benz, Philipp Schiemer, já afirmou várias vezes que a montadora fica satisfeita em ver modelos seus fabricados décadas atrás em operação, mas que esse modelo não serve para empresa.
“Caminhões são feitos para durar uma média de dez anos, depois disso precisam ser renovados”, afirmou, lembrando que uma frota atualizada é mais produtiva e eficiente, além de causar menos danos ao meio ambiente.
Outro fator que ainda incomoda os transportadores é o alto valor do pedágio cobrado no Estado de São Paulo, que acaba onerando muito os transportadores na formação de um frete mais justo.
Mas o cenário pode estar mudando em 2018. Pelo menos é o que acredita o Sindicato das Empresas de Transporte de São Paulo (Setcesp). Com a previsão de um crescimento do PIB em 3% este ano, o sindicato entende que é chegada a hora de uma recomposição na margem dos transportadores.
De acordo com o presidente do Setcesp, Taiguara Helou, a recuperação do setor passa essencialmente pela composição tarifaria de suas operações, pois lutando para se adaptar à realidade da crise, as transportadoras cortaram despesas, diminuíram de tamanho, cederam a exigências e, principalmente, reduziram o frete para um preço abaixo do razoável, o que significou, em muitos casos, o encerramento de atividades.
Com a previsão de crescimento, a entidade tem feito reunião com os empresários na tentativa de orientá-los a e subsidiá-los com informações para convencer os embarcadores sobre a remuneração que garanta o lucro e competitividade do negócio, para o bem de todos os envolvidos.
A julgar pelos últimos números da Anfavea, há uma sinalização no crescimento da venda de caminhões novos. Mas eles ainda não serão suficientes para convivermos por um bom tempo com os velhos trucks pelas estradas brasileiras.
Fonte: Future Transport
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