Estresse e pressão no ambiente de trabalho são fatores prejudiciais à saúde mental dos motoristas

(Imagem: divulgação/Chico da Boleia)

Redação Chico da Boleia

Um estudo divulgado em fevereiro pela Fundação Oswaldo Cruz (Ficruz) revelou que a taxa de suicídio no Brasil apresentou um crescimento de 3,7% ao ano. Já o índice de autolesões também registrou aumento anual de 21%. Os mais afetados são jovens de 10 a 24 anos.

Apesar do tema sobre saúde mental ser debatido abertamente, o país tem sido testemunha de uma população cada vez mais doente ao enfrentar problemas como depressão e ansiedade. A campanha Setembro Amarelo traz à tona não só a conscientização e prevenção ao suicídio, mas também dos fatores que levam tantas pessoas ao extremo e desistirem de lutar por suas vidas.

Um dos principais fatores que tem agravado a qualidade de vida e a saúde dos brasileiros é o estresse provocado pelas longas jornadas de trabalho e a pressão por bons resultados, em um mercado cada vez mais competitivo. Para os motoristas profissionais, especialmente os que atuam no transporte rodoviário de cargas, problemas como o estresse e a ansiedade podem levar a acidentes graves, ao diminuírem a capacidade de concentração e foco.

De acordo com Alysson Coimbra Carvalho, Diretor Científico da Associação Mineira de Medicina do Tráfego (AMMETRA), níveis elevados de estresse e ansiedade afetam a saúde geral, incluindo a qualidade do sono, o que pode levar à fadiga e ao cansaço ao dirigir, comprometendo a atenção e a capacidade de reação.

Para o especialista, o estresse ainda pode resultar em um comportamento mais agressivo ao volante, tornando-se um fator de risco significativo para acidentes de trânsito. “O estresse crônico e a ansiedade podem levar a uma tomada de decisão impulsiva ou inadequada. Motoristas ansiosos podem tomar decisões arriscadas, como ultrapassagens imprudentes, mudanças de faixa abruptas ou acelerações desnecessárias”.

De acordo com informações do Ministério da Saúde, evidências epidemiológicas como situações de pressão no trabalho, assim como a vulnerabilização de vínculo trabalhista e pouco desenvolvimento do profissional em decisões que envolvem sua própria atividade estão diretamente ligadas ao sofrimento mental.

“Motoristas, especialmente aqueles que enfrentam longas jornadas, estão suscetíveis a uma série de problemas de saúde mental devido à natureza estressante e solitária de seu trabalho. Estresse crônico devido a pressões pelo cumprimento de prazos, lidar com o tráfego, condições adversas de estrada, tempo longe da família e problemas mecânicos contribuem para o surgimento de ansiedade, depressão e esgotamento emocional; e também pode causar sintomas físicos, como dores de cabeça, hipertensão e distúrbios digestivos. A ansiedade pode ser exacerbada pela preocupação constante com a segurança na estrada, receio de acidentes, problemas financeiros e instabilidade no emprego. A solidão é o isolamento social podem levar a sentimentos de tristeza, baixa autoestima e aumentar o risco de depressão e ansiedade”, destaca Alysson.

O Diretor Científico ainda explica que o fenômeno de Burnout, também conhecido por esgotamento profissional, surge justamente do trabalho excessivo, da falta de controle sobre o horário de trabalho, pouca valorização e condições de trabalho adversas, levando a exaustão emocional, redução da eficácia profissional e despersonalização (distanciamento emocional), comprometendo a motivação e o desempenho do motorista. Somente no ano passado, 421 pessoas foram afastadas do trabalho devido ao diagnóstico de Burnout, o maior número dos últimos 10 anos no país.

É importante destacar que a terceira maior causa de afastamento por auxílio-doença acidentário, de acordo com dados da Previdência Social, está relacionada, justamente, aos transtornos mentais. No ambiente trabalho, determinadas situações provocam ainda mais sofrimento, dependendo da atividade exercida. Porém, fatores como baixos salários, carga horária excessiva, assédio e conflitos podem ser identificados em qualquer área ou profissão.

Alysson ainda traz outro exemplo, no caso dos motoristas, como a privação de sono, que afeta diretamente a capacidade cognitiva, reduzindo o tempo de reação, a atenção e a tomada de decisões. A fadiga crônica aumenta o risco de acidentes de trânsito.

“Em qualquer um desses cenários pode ocorrer à tendência ao uso de substâncias como álcool, cafeína, nicotina ou drogas para lidar com o estresse, ansiedade ou fadiga, e o abuso de substâncias pode prejudicar o julgamento, o tempo de reação e a coordenação motora, além de aumentar o risco de acidentes e problemas legais”, ressalta o especialista.

Questionado sobre a relação entre os transtornos mentais e o aumento de acidentes de trânsito, Alysson explica que essa ligação se manifesta de várias maneiras, uma vez que a saúde mental afeta diretamente o comportamento, a tomada de decisões e a capacidade de resposta dos motoristas ao volante.

“Estudos epidemiológicos indicam que motoristas com diagnósticos de ansiedade, depressão ou transtornos de estresse apresentam taxas mais altas de acidentes de trânsito em comparação com a população em geral. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras entidades de segurança no trânsito apontam que aproximadamente 10-15% dos acidentes de trânsito estão relacionados a algum grau de comprometimento da saúde mental. Dados sugerem que motoristas com distúrbios do sono têm até 2,5 vezes mais probabilidade de se envolver em acidentes do que aqueles com sono normal”, conta Coimbra.

É importante destacar que o aumento da violência no trânsito também pode estar diretamente relacionado à deterioração da saúde mental dos motoristas. “Fatores como estresse, ansiedade, fadiga, depressão e frustração acumulada afetam o comportamento ao volante, levando a reações mais agressivas e impulsivas. A saúde mental fragilizada pode reduzir a capacidade de um motorista de gerenciar emoções e lidar com situações de maneira calma e racional, aumentando a probabilidade de comportamentos violentos, como “road rage” (raiva no trânsito), disputas de espaço, fechadas, ultrapassagens perigosas e confrontos com outros motoristas ou pedestres”, aponta o especialista.

Mas para buscar ajuda, os profissionais precisa estar atentos aos sinais físicos e psicológicos provocados pelos problemas mentais. O Diretor Científico da AMMETRA destaca que os sinais físicos e emocionais que indicam que a saúde mental do motorista pode estar em risco variam, mas geralmente incluem mudanças no comportamento, nas emoções e no estado físico.

Sinais físicos: fadiga crônica, dores de cabeça e tensão muscular, alteração do hábito intestinal, distúrbios do sono, alterações no peso, taquicardia e palpitações.

Sinais emocionais: irritabilidade e agressividade, sensação de sobrecarga ou desamparo, ansiedade constante, depressão, apatia, dificuldade na tomada de decisões, isolamento social, alteração do humor e sensação de desconexão ou despersonalização (sentir-se “desligado” ou “fora do corpo”, como se estivesse observando a si mesmo de fora).

Sinais comportamentais: dirigir de maneira mais agressiva, em alta velocidade, ignorar sinais de trânsito, fazer ultrapassagens perigosas ou conduzir de maneira imprudente. Esquecer compromissos importantes, não conseguir seguir rotinas ou evitar responsabilidades devido à falta de motivação ou concentração. Uso excessivo de álcool, tabaco ou outras substâncias como forma de lidar com o estresse ou ansiedade, o que pode comprometer a segurança ao volante.

Estratégias para mitigar os problemas

O especialista cita algumas medidas que podem ajudar tantos os trabalhadores quanto as empresas a buscarem o equilíbrio entre a rotina de trabalho, demandas, os problemas enfrentados no dia a dia e o cuidado com a saúde:

  • Realizar campanhas para aumentar a conscientização sobre a importância da saúde mental para a segurança no trânsito, incluindo orientações sobre como o estresse, a ansiedade e outros problemas de saúde mental afetam o comportamento ao volante;
  • Treinamento e Workshops:  Oferecer treinamentos para motoristas profissionais e amadores sobre gerenciamento do estresse, técnicas de relaxamento e práticas de direção defensiva;
  • Oferecer suporte psicológico aos motoristas através de programas de apoio, linhas de apoio disponíveis para motoristas que se sintam estressados, ansiosos ou em risco de comportamento agressivo;
  • Para motoristas profissionais, é essencial que pausas regulares sejam incorporadas na jornada de trabalho para reduzir o estresse e a fadiga;
  • Pontos de parada e descanso (PPD) são fundamentais para momentos de qualidade e restabelecimento das funções físicas e mentais;
  • Incentivar a prática da direção defensiva, que ensina os motoristas a prever e reagir de forma calma e racional a situações de risco, reduzindo a probabilidade de respostas agressivas;
  • Oferecer certificações e recompensas para motoristas que demonstrem comportamentos seguros e defensivos na estrada;
  • Investir em melhorias de infraestrutura, como manutenção adequada das estradas, sinalização clara e fluida, e gerenciamento inteligente de tráfego para reduzir engarrafamentos e frustrações;
  • Incentivar o uso de aplicativos de navegação que ajudem a evitar rotas congestionadas, reduzindo o tempo no trânsito e o estresse associado.
  • Implementar campanhas educativas para promover respeito, paciência e cooperação entre os motoristas;
  • Envolver a comunidade para criar uma cultura de direção segura e pacífica, incentivando motoristas a pensar coletivamente e a agir de forma responsável.
  • Usar tecnologias como câmeras de monitoramento e registros eletrônicos para identificar comportamentos agressivos e aplicar as penalidades necessárias para dissuadir tais ações;
  • Para motoristas profissionais reincidentes em comportamentos agressivos, criar políticas de encaminhamento para avaliação e tratamento psicológico.
  • Integrar avaliações psicológicas regulares nos exames obrigatórios para motoristas habilitados;
  • Oferecer incentivos fiscais ou subsídios para empresas que implementem programas de apoio à saúde mental de seus motoristas;
  • Prevenir a violência no trânsito ligada à deterioração da saúde mental dos motoristas exige uma abordagem multifacetada, combinando educação, apoio psicológico, práticas de direção defensiva, melhorias na infraestrutura e políticas públicas eficazes. Ao abordar a saúde mental de forma proativa, podemos criar um ambiente de trânsito mais seguro e cooperativo, beneficiando todos os usuários das estradas.

Centro de Valorização da Vida (CVV)

O Centro de Valorização da Vida (CVV) é um serviço voluntário gratuito de apoio emocional e prevenção do suicídio para qualquer pessoa. O anonimato é garantido. Caso precise de ajuda ou conheça alguém passando por dificuldades, basta entrar em contato com o serviço, discando 188. O atendimento funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana.

Para saber mais, acesse www.cvv.org.br.

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