Danilo Leite, da Universidade Federal da Grande Dourados, estuda a representação das mulheres em revistas do segmento.
Entrevista e reportagem: Larissa Jacheta Riberti – Chico da Boleia | FOTO: Aline Teodoro
“Esse não é lugar para uma mulher”. Não é raro que meninas, jovens e mulheres adultas escutem esse tipo de frase, que busca colocar-nos naquilo que muitos acreditam ser “o nosso lugar”. Esse tipo de pensamento retrata uma sociedade que, ainda hoje, reproduz a noção de que existem espaços a serem ocupados exclusivamente por homens ou por mulheres. Tal concepção também está relacionada à ideia de que homens e mulheres devem cumprir tarefas específicas, tanto no âmbito privado, quanto no público, e influenciou, ao longo de toda nossa história, a construção da chamada “divisão sexual do trabalho”.
Essa noção reserva determinados espaços e funções de trabalho para homens e outros para mulheres. Ao passo que eles foram (e ainda são) encorajados a realizarem tarefas de força física, grandes empreendimentos ou a exercerem cargos políticos, as mulheres ficavam (e ainda ficam), em sua maioria, confinadas a tarefas do espaço privado ou são incentivadas a se engajarem em trabalhos que correspondam a uma suposta “aptidão” natural feminina para o trato humano, a solidariedade e a educação.
Além disso, essa divisão sexual do trabalho também se apoia na ideia de que os homens são os “provedores” materiais do sustento da família, enquanto que as mulheres são as cuidadoras e responsáveis pela reprodução. Em grande medida, é por isso que, ainda hoje, existem profissões majoritariamente exercidas por homens, como a engenharia, por exemplo, e trabalhos exercidos principalmente por mulheres, como a educação infantil.
A divisão sexual do trabalho é um dos marcos teóricos que sustenta a pesquisa de Danilo Leite Moreira, estudante de doutorado do Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade Federal da Grande Dourados. O historiador começou sua pesquisa há três anos, investigando revistas do setor do transporte rodoviário de cargas (TRC).
“Durante a pesquisa, percebi que existem diversas formas de retratar os caminhoneiros e a profissão. Uma delas, era a imagem de um profissional desleixado, sujo e não muito preocupado com a organização da sua rotina de trabalho. Esse tipo de imagem, no entanto, começou a circular há muito tempo, por volta da década de 1950. Mais recentemente, mudou-se a forma de representar o profissional da boleia. Atualmente, existem personagens que procuram construir uma imagem mais positiva de um caminhoneiro atento com a segurança e a qualidade de vida no trabalho”, destacou Danilo.
Ao longo da investigação, outra pergunta que norteou o trabalho do historiador foi a que indagava quando as mulheres passaram a ser percebidas por esses meios de comunicação como profissionais, ou seja, como caminhoneiras e/ou carreteiras. Tal marco, conta Danilo, é bastante recente.
De acordo com o pesquisador, até os anos 2000, a maioria das fontes consultadas faz uma representação sexualizada das mulheres. Isto é, elas eram retratadas em ensaios no quais apareciam seminuas e/ou fazendo poses sensuais. “Foi só depois desse marco que eu pude identificar reportagens que vinculavam a imagem da mulher a uma categoria profissional, nas quais elas eram retratadas como caminhoneiras ou carreteiras”, explica o historiador.
Danilo afirma que essa representação ainda é bastante restrita, considerando que são poucas as matérias que visibilizam as mulheres profissionais das estradas. Para ele, esse fato reforça a divisão sexual do trabalho, que caracteriza a profissão de caminhoneiro como um “lugar para os homens” e não para as mulheres.
Além disso, o historiador destaca que a maioria das reportagens que se encontra sobre mulheres tem um apelo mais midiático e não discute as dificuldades que são impostas a elas em um ambiente de trabalho majoritariamente masculino à luz das questões de gênero, por exemplo.
“É notório que, apesar do número de mulheres caminhoneiras e carreteiras ter crescido muito no Brasil e delas desempenharem suas funções com muita competência, as narrativas femininas ainda são silenciadas. Ainda nos falta muito informação sobre como elas se tornaram profissionais da boleia, o que as motivou, quais os reais riscos aos quais elas estão cotidianamente expostas, ou seja, como é o meio laboral verdadeiramente para elas”, argumentou.
Durante a conversa que tivemos pelo telefone, Danilo também comentou a dificuldade de acessar dados mais concretos que nos apresente um perfil completo da mulher caminhoneira. Não há, por exemplo, um número exato de quantas mulheres participam desse universo do trabalho, qual a faixa etária delas, se são mães ou não, contratadas ou autônomas.
Isso significa que, além das narrativas, os perfis socioeconômicos dessas mulheres também são silenciados. Uma das soluções para este problema seria que a Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT) nos fornecesse dados plausíveis para estruturarmos um quadro amplo sobre a participação feminina no transporte rodoviário de cargas.
A tese de doutorado de Danilo, que será apresentada no ano de 2021 tem, portanto, como objetivo, entender como essas mulheres são representadas por meios de comunicação acessados pelos vários segmentos do TRC. É uma contribuição acadêmica de suma importância para que a categoria possa conhecer de perto a maneira como as mulheres foram historicamente retratadas e a necessidade de se criarem novos espaços de escuta para as vozes femininas.
Larissa Jacheta Riberti
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