Prof. Dr. Eduardo Costa Pinto analisou que a medida da atual gestão da empresa tem alterado constantemente o preço dos combustíveis.
O Brasil tem vivido, nos últimos dias, o fenômeno da greve dos caminhoneiros. O movimento que começou com a paralisação de membros da categoria em 21 de maio afetou a vida de toda população brasileira.
Os caminhoneiros se mobilizaram, sobretudo, em torno da pauta da redução do preço do diesel. De acordo com o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos), no período de 22 de abril a 22 de maio de 2018, a Petrobras reajustou o preço da gasolina e do diesel nas refinarias 16 vezes.
O estudo mostra que o preço da gasolina saiu de R$ 1,74 e chegou a R$ 2,09, alta de 20%. Já o do diesel foi de R$ 2,00 a R$ 2,37, aumento de 18%. Para o consumidor final, os preços médios nas bombas de combustíveis subiram de R$ 3,40 para R$ 5,00, no caso do litro de gasolina (crescimento de 47%), e de R$ 2,89 para R$ 4,00, para o litro do óleo diesel (alta de 38,4%).
No último acordo anunciado por Michel Temer, no domingo 27 de maio, e ratificado por entidades sindicais de autônomos e transportadoras de cargas, a redução de R$0,46 no preço do combustível será realizada através do fim da tributação do Pis/Cofins e da CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico). A medida assegura o reajuste para baixo por um período de 60 dias.
Nenhuma das negociações, no entanto, foi aceita pelos caminhoneiros. Apesar de que, depois de tais tentativas, entidades sindicais tenham assinado o acordo e sugerido que os caminhoneiros voltassem ao trabalho, muitos resistem em seu movimento. Atualmente, demandam também redução do preço da gasolina e do gás de cozinha. Querem medidas duradouras de congelamento desses preços para que não sejam surpreendidos por uma nova alta.
Na visão do Prof. Dr. Eduardo Costa Pinto, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador do o Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (INEEP), a redução do tributo que incide sobre os combustíveis não é capaz de garantir que o preço desses produtos não volte a subir. Em entrevista para o jornal Chico da Boleia, ele explicou que a grande causa desse expressivo aumento é a política de preços da atual gestão da Petrobras, presidida por Pedro Parente. Leia na íntegra.
Chico da Boleia: Professor, como você enxerga a greve?
Eduardo Costa Pinto: Pra mim claramente existe um movimento que é dos autônomos com interesses parecidos das transportadoras. Pra mim existe uma lógica muito clara nesse movimento que é causada pela atual política de preços da Petrobras que tem repassado para o mercado nacional os preços que oscilam em relação ao mercado internacional. Isso tem dois efeitos: um a curto e outro a médio prazo. O primeiro deles é que a gente tem uma economia que tem crescido muito pouco. Logo, a demanda desse tipo de serviço está relativamente baixa. Então, o que a gente vê hoje é um aumento do custo do transporte, sem aumento de receita. Com isso, você reduz as margens de receita tanto das grandes transportadoras, como do caminhoneiro autônomo. Só que ainda tem um jogo aí dentro: as grandes transportadoras contratam também os agregados. Nessa contratação, elas tentam empurrar a perda delas para os agregados.
Chico da Boleia: E porque essa perda?
Eduardo Costa Pinto: Porque a receita, que é o preço do frete que é cobrado tanto dos agregados quanto das transportadoras vezes a quantidade de produto que é transportada, tem crescido numa velocidade muito menor que o principal custo do transporte, que é o diesel. Então isso vai comprimindo a margem de receita, tanto da transportadora quanto do agregado. Soma-se a isso a capacidade que uma grande transportadora tem de empurrar esse efeito para o caminhoneiro, porque o poder do autônomo é muito menor que o da empresa. Então, essa política de preços da Petrobras, tem gerado tanto uma compressão da margem de lucro das transportadoras quanto do autônomo. Logo, é um movimento que tem a ver com essa deterioração da margem de lucro. Por isso, os trabalhadores se somaram à mobilização independente de terem sido convocados ou estarem alinhados, porque tem a ver com a perda de receita deles.
Com o preço de diesel reajustado diariamente, o caminhoneiro não consegue mais planejar seus custos. Então, por exemplo, o autônomo ou o agregado pega um frete, daí ele está transportando a carga e, de um dia para o outro, o preço do diesel sobe. Então, ele vai ter que arcar com um custo a mais que ele não planejou, porque não tinha como planejar e porque os preços alteram todo dia. O autônomo, portanto, recebe esse efeito de maneira ainda maior que as transportadoras. A atual política de preços da Petrobras gera uma compressão da margem dos lucros e, além de tudo, dificulta a mensuração dos custos por parte dos caminhoneiros.
E tem um agravante todo nessa situação! Dada a capacidade maior do patronato de influenciar a categoria – e um pouco também mesmo dos trabalhadores de referendar essa ideia – constrói-se uma visão de que o aumento de preços do combustível não é causado pela atual política de preços da Petrobras e sim pelos impostos. E não é! Porque? Porque a gente não teve recentemente, nenhum aumento da alíquota dos tributos sobre o diesel e a gasolina. Você também não teve nenhuma mudança de ganhos por parte das distribuidoras ou dos postos de gasolina. Então, o imposto sempre existiu, antes mesmo da nova política de preços da Petrobras, com a mesma alíquota. O imposto é uma alíquota fixa. Então o que eu quero dizer é que a causa desse aumento acelerado do preço dos combustíveis tem a ver com a política de preços. Na verdade, a Petrobras deveria fazer uma política de preços, de reajuste pra cima ou para baixo não diariamente, ela tem que fazer isso no trimestre. Para que os consumidores, os caminhoneiros, possam planejar seus custos. O caminhoneiro não pode sair com um frete e, no meio da viagem, o preço do combustível mudou e fez com que se alterasse completamente a projeção de custos dele.
E aqui tem um ponto que é muito importante. A Petrobras tem usado um discurso que é falso. Ela tem defendido que essa atual política de preços garante mais receita. Isso não procede, porque a Petrobras tem reduzido a produção de derivados. Quem tem ganhado dinheiro com essa política de preços são as importadoras estrangeiras.
Chico da Boleia: Professor, qual é de fato a estratégia da Petrobras com essa nova política de preços e porque ela impacta no valor dos combustíveis?
Eduardo Costa Pinto: Essa política começou tem um pouco mais de um ano, e a ideia dessa política é alinhar os preços dos derivados do petróleo produzidos nas refinarias da Petrobras, ou seja, gasolina, diesel, GLP, a duas variáveis. A primeira são as mudanças dos preços internacionais desses derivados, então ela usa como referência preços desses derivados praticados nos Estados Unidos e na Europa. Se o preço sobe lá fora, automaticamente sobe o preço aqui. A segunda variável é a taxa de câmbio. Se a taxa de câmbio se desvaloriza, ou seja, fica mais caro importar. Se fica mais caro importar, também sobe o preço do diesel ou da gasolina que vão ser importados pelo Brasil. Logo, isso é repassado automaticamente para os preços dos derivados de petróleo comercializados pela Petrobras. Essa é a atual política. É um alinhamento do preço dos produtos que saem das refinarias da Petrobras com os preços do diesel, da gasolina, do GLP, no mercado internacional. Essa é a estratégia. E isso está associado tanto a operação do preço internacional quanto à variação da taxa de câmbio.
Chico da Boleia: E o que está por trás dessa política?
Eduardo Costa Pinto: Nessa política de preços a regulação é feita pelo livre mercado, pela suposta livre concorrência. Ou seja, a Petrobras não vai atuar na conformação dos preços porque, supostamente, seria melhor, tanto para a empresa, quanto para os consumidores, o mercado regular esses preços. Esse é o argumento da atual gestão. E a gente vê claramente, agora, que essa regulação não traz benefícios para os consumidores. Porque se a gente olha essa política de preços, ao longo desse último ano você teve um aumento do preço dos derivados, do diesel, gasolina e GLP, numa velocidade muito maior do que a inflação do país, muito maior do que os custos de produção da Petrobras. Esse é o fundamento, hoje, dessa política de preços.
Chico da Boleia: E qual é a crítica que o INEEP tem feito com relação à essa política?
Eduardo Costa Pinto: A partir dos estudos que fazemos, nós identificamos que, em primeiro lugar, você não pode deixar a lógica de mercado stricto sensu operar em cima de um produto que é estratégico. Também não dá para fazer o controle pleno disso, porque senão você também terá problemas. Mas, definitivamente, não pode deixar com que ele se auto regule pelo livre mercado. E daí você poderia me perguntar assim: “Mas Eduardo, e se você deixar de controlar o preço, qual o efeito disso?”. Aí tem um outro ponto que eu acho que tem que ser ressaltado que é que o aumento, hoje, nos preços que saem das refinarias da Petrobras, não tem gerado lucros, aumento dos lucros para as refinarias da Petrobras. Isso porque tem reduzido fortemente a produção de derivados nas refinarias da Petrobras. A Petrobras de hoje, com essa política de preços, que tem como objetivo vender seus ativos, ou seja, vender as refinarias, que sinaliza para os investidores estrangeiros que não vai mexer na política de preços, tem reduzido o nível de utilização das refinarias. Então as refinarias da Petrobras, que teriam capacidade de refinar cerca de 2,4 milhões de barris por dia, tem operado, atualmente, com cerca de 30% abaixo da sua capacidade total. O que significa dizer que, hoje, cerca de 23% do mercado de derivados do Brasil é suprido por importações, mas não da Petrobras, de outros importadores. Então, quem tem lucrado com o aumento dos preços dos derivados são as empresas estrangeiras importadoras e, principalmente, as grandes empresas de petróleo, Total, Shell. A Petrobras não tem lucrado com isso! E isso é assustador! Pior ainda, isso não tem gerado nenhum benefício para os consumidores.
Pra mim, o que fica muito claro com relação à mobilização é que os caminhoneiros não podem embarcar nessa lógica de que o problema é o tributo. O problema é a atual política de preços da gestão da Petrobras. Porque isso tem reduzido as margens de lucro das transportadoras e, mais ainda, dos autônomos.
Chico da Boleia: Você disse que há uma redução da capacidade produtiva dessas refinarias, qual o objetivo final disso?
Eduardo Costa Pinto: Isso significa que a Petrobras, hoje, está ofertando muito menos derivados no mercado nacional e a gente fica refém das importações.
Chico da Boleia: Mas, Eduardo, os custos de refinar hoje no Brasil cresceram?
Eduardo Costa Pinto: Não! Eles até caíram, porque as refinarias brasileiras utilizam 94% do petróleo produzido no Pré-sal, cujo custo de produção é muito mais baixo. Então, o principal custo de produção dos derivados é o petróleo, ou seja, é dele que saem o diesel, a gasolina, os derivados. Então, o principal custo de produção da Petrobras é o próprio petróleo que ela produz no Pré-sal. Os custos de produção estão ficando cada vez menores, só que isso não está sendo repassado principalmente para o consumidor. Porque existe essa política de preços atrelada ao preço internacional do Petróleo. Aí você vai dizer: quem ganha com isso? A Petrobras ganha relativamente pouco. Porque o que ela está fazendo com a estratégia? Ao invés de refinar petróleo aqui, nas refinarias da própria empresa, ela está exportando petróleo cru e deixando com que os importadores aqui e outras empresas, importem derivados principalmente das refinarias dos Estados Unidos. E isso com a desculpa de que se está deixando o mercado regular os preços, o que supostamente seria bom tanto para a Petrobras, quanto para os consumidores.
A questão é que isso não existe! O mercado de produção e exploração do Petróleo, o mercado de derivados e o de distribuição, é um mercado oligopolizado. Isso significa dizer que ele não registra a lógica de oferta e demanda simplesmente, porque você tem uma quantidade muito pequena de ofertadores e uma quantidade enorme de demandadores, que são os consumidores. Então, a capacidade de mercado é muito baixa. E achar que, do nada, o preço cai…o que acontece é o contrário. O que estamos vivendo hoje? Uma política que deixa o preço flutuar a partir do câmbio e do preço do petróleo internacional. Isso é um risco enorme! E daí as pessoas falam: “ah, mas nos Estados Unidos isso é feito”. Mas os Estados Unidos têm uma política que não faz isso no automático. Além de tudo, os EUA têm um grande estoque de derivados que regula, que dá uma certa estabilidade nesse processo. A gente não!
Então, em nenhum lugar do mundo você deixar isso acontecer. Porque o preço do petróleo não depende só de oferta e demanda, ele também é influenciado por fatores geopolíticos. Às vezes o preço subiu porque o Trump resolveu quebrar um acordo com o Irã. Aí depois esse preço pode baixar, de novo. Se eu fico numa política de sobe e desce o tempo inteiro, isso gera uma dificuldade para os agentes econômicos que, no caso, é o setor do transporte, e que na ponta é o caminhoneiro autônomo, que fica sem nenhuma perspectiva de planejar suas despesas. Então ele recebe, chutando aí, um frete de R$2 mil, o preço do combustível subiu de repente, e ele vai ter um prejuízo nesse processo.
E tem mais! Como a gente tem uma economia vulnerável, que é de um sobe e desce impressionante, quando eu uso isso para regular o preço, isso vira um caos que a gente está vendo hoje.
Chico da Boleia: E qual a relação do preço dos combustíveis com os tributos?
Eduardo Costa Pinto: Eu acredito que atacar, hoje, a questão dos tributos, é uma estratégia equivocada. O crescimento dos preços não é causado pelo imposto, porque você não teve mudança de alíquota. É preciso refazer a política de preços da Petrobras. Ela não pode descolar totalmente do internacional, mas ela também não pode subir e descer a cada dia. Isso cria instabilidade econômica, dos agentes econômicos. Essa política também não beneficia a Petrobras em termos de receita. Por isso que o Parente falou que não ia mudar a política de preços, porque ele estabeleceu que tem que vender parte do refino. E os investidores estrangeiros já disseram, principalmente os chineses, que não vão comprar refino se a política de preços não for de acordo com a internacional. E isso é assustador! Porque no meio de uma crise dessas, com os preços subindo, a Petrobras tem refinarias, como essas que foram colocadas à venda, a refinaria da Bahia e a de Pernambuco, que estão com capacidade ociosa de 50%. Ou seja, você tem um investimento, uma estrutura produtiva, e ela só refina 50% dos derivados que ela poderia produzir. Se a Petrobras fizesse uma produção interna, eu não precisaria jogar o tempo inteiro esse preço pra cima, porque ele só teria a ver com os custos de produção. Então, existe uma estratégia privatizante para a Petrobras, para a venda de ativos. E muita gente está usando a questão dos tributos sem saber o que está acontecendo com a política de preços. E essa política não tem só a ver com o preço dos derivados, tem a ver com a forma como a Petrobras vê hoje a estratégia do refino no Brasil.
Chico da Boleia: Prof., a questão dos tributos vai além do fato de que não houve um reajuste. Tem a ver também com a própria característica desse tributo que é o Pis/Cofins que é repassado para áreas da seguridade social…
Eduardo: O que acontece é o seguinte. Criou-se uma questão no Brasil, e daí eu acho que tem que colocar a questão da lava jato e de corrupção nesse meio, porque por conta disso, criou-se a ideia de que a Petrobras está quebrada. Isso é uma completa falácia. A Petrobras enfrentou problemas, mas não tinha nada a ver com a corrupção. É claro que a corrupção, 6 bilhões como foi registrado no balanço da Petrobras – e daí qualquer pessoa vai dizer que é muito dinheiro. Mas 6 bilhões na receita da Petrobras, que foi o balanço de 2014, não é nem 10% da receita da empresa naquele ano. Ah, mas a dívida aumentou muito? Aumentou! Mas em parte isso aconteceu porque você teve uma desvalorização cambial. Só que, inclusive, o Parente e uma parte do setor empresarial brasileiro divulgou e reforçou o argumento de que o problema era a corrupção, era a política do Estado. E que era preciso fazer o que? Reduzir os impostos e reduzir o papel do Estado na regulação dos preços.
A Petrobras sendo uma empresa estatal, ela tem que levar em conta o quanto ela vai lucrar, mas também o quanto ela vai gerar de custos para a sociedade. A questão toda aí é que, dado o cenário de crise que a gente vive, o argumento é sempre o mesmo: resolve-se tudo reduzindo os tributos. O que me impressiona é que, nesse caso especifico, você ainda quer reduzir um tributo que é destinado à seguridade social. Ele é destinado à população mais pobre. Ou seja, você não ataca qual é o problema hoje que gerou essa escalada de preço do diesel, do GLP e da gasolina. Você arruma um paliativo, uma desculpa de que o problema é o tributo.
Então eu acho que o movimento dos caminhoneiros tem que entender essa dinâmica, porque a questão toda é a nova política de preços da atual gestão da Petrobras. E mais! Se essa política continua, se o Pedro Parente consegue vender as refinarias, e supostamente isso aumentar a concorrência e cair preços, isso é uma falácia! Porque você vai ter setores oligopolizados, um setor privado forte, que vai priorizar o preço internacional. Essa atual redução do preço do diesel que foi anunciada pelo governo é temporária, porque você tem uma tendência ao aumento do preço do Petróleo internacional e você tem uma tendência de desvalorização da nossa moeda em função da taxa de juros. Logo, se essa política for mantida, daqui 60 dias o preço do diesel vai disparar de novo, mesmo você reduzindo tributo!
Redação Chico da Boleia
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