Quais os problemas da nova regulamentação da profissão de motorista?

Procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) da 24ª Região de Campo Grande/MS, Dr. Paulo Douglas Almeida de Moraes, realizou uma palestra no SetransABC (Sindicato das Empresas de Transporte de Carga do ABC) no dia 18 de maio e explicou os problemas da nova lei n.13.103/2015. 

Com extensa participação nos debates, o Dr. Paulo Douglas foi um dos elaboradores da Ação Civil Pública que culminou na então Lei 12.619, aprovada em 2012 e derrubada recentemente pela aprovação de uma nova regulamentação nas casas legislativas do país. O especialista também participou do debate sobre a lei do motorista realizado pelo Chico da Boleia no ano passado, esclarecendo a necessidade de se respeitar os direitos e garantir dignidade trabalhista para a categoria.

No início deste ano, depois da greve dos caminhoneiros e da pressão do setor do agronegócio, exercida desde que a regulamentação da profissão do motorista saiu do papel, a nova lei foi aprovada sem vetos e vem dividindo as opiniões no TRC. De um lado, alguns grupos se contentaram com o aumento da jornada máxima de trabalho dos caminhoneiros e as novas alterações. De outro, especialistas em leis trabalhistas e representantes de sindicatos de caminhoneiros autônomos pretendem questionar a constitucionalidade da norma.

Desde o ponto de vista do Dr. Paulo Douglas a nova Lei fere três pilares de proteção do direito do motorista: o controle da jornada, este que era um dos pontos fundamentais e que originou a regulamentação; a proibição de pagamento de comissão (que agora voltou a ser permitido); e a garantia de uma remuneração digna.

O ataque ao primeiro pilar, ou seja, o controle da jornada de trabalho, acontece através da ampliação e flexibilização da quantidade de tempo que um motorista pode estar ao volante diariamente e semanalmente. Nesse quesito, a lei aumenta para até 12 horas a jornada de trabalho diária de um motorista. Tal realidade, se comparada com outras categorias trabalhistas mostra a incongruência da nova lei.

Além disso, a nova regulamentação reduziu os períodos de descansos obrigatórios: o intervalo interjornada passou de 11 para 8 horas; a elevação do período de direção contínua, ou seja, a quantidade de tempo que um motorista pode dirigir sem parar, passou de 4 para 5 horas e meia; e o repouso com o veículo compartilhado passa a ser obrigatório apenas a cada 72 horas no caso de condução compartilhada.

Tais determinações são acompanhadas, de acordo com a análise do Dr. Paulo Douglas, de critérios pouco claros para a fiscalização da jornada de trabalho, e a falta de regulamentação de instrumentos eletrônicos de controle do trabalho do motorista. Essas medidas atacam o segundo pilar e inviabilizam o controle da jornada e o tempo de direção.

Quanto ao terceiro pilar de proteção do direito trabalhista do motorista, ou seja, a proibição do pagamento por comissão, a nova lei agora determina que “Art. 235-G. É permitida a remuneração do motorista em função da distância percorrida, do tempo de viagem ou da natureza e quantidade de produtos transportados, inclusive mediante oferta de comissão ou qualquer outro tipo de vantagem, desde que essa remuneração ou comissionamento não comprometa a segurança da rodovia e da coletividade ou possibilite a violação das normas previstas nesta Lei.”.

Tal medida impacta na demanda de mão de obra, na autonomização dos motoristas empregados, na redução da indenização da espera e gera descontrole de jornada, já que muitos motoristas buscarão trabalhar mais para ganhar mais comissão.

Durante a apresentação, foram apresentados dados que comprovam a redução no número de acidentes, mortes e feridos no TRC depois da entrada em vigor da lei 12.619, em 2012. “Conseguimos obter um número bastante significativo com a aplicação da Lei. Com as alterações impostas pela nova norma, podemos retornar a um cenário de mortes nas rodovias brasileiras”, afirmou o Dr. Paulo Douglas.

Os números evidenciaram um total de 29.257 acidentes evitados, além de mais de 15 mil pessoas que não se feriram durante acidentes e um total de quase 3 mil vidas salvas. Ou seja, estatísticas bastante relevantes para o dia a dia do trabalhador das estradas.

Durante a palestra, o Procurador do MPT também questionou a nova lei a partir da ameaça que ela representa tanto a segurança viária, quanto a vida, a saúde e a dignidade tanto dos trabalhadores do TRC quanto dos outros usuários das rodovias.

“Minha experiência como Procurador do Trabalho e como autor da Ação Civil Pública que iniciou os debates sobre a regulamentação da profissão de motorista me mostrou a realidade dessa categoria. Não podemos permitir um descontrole de jornada nem o aumento nos acidentes, o uso de drogas e, consequentemente, as mortes nas rodovias do país”, opinou.

Para concluir sua apresentação, Paulo Douglas também questionou a adequação constitucional da norma, ou seja, apresentou argumentos que mostram claramente como a nova lei viola alguns princípios constitucionais como a dignidade do ser e a vedação ao retrocesso social. Este último ponto está presente no art.7o da Constituição Brasileira e está sendo claramente violado pela nova lei.

Se você tem dúvidas sobre esse assunto, sugestões ou opiniões escreva para chicodaboleia@chicodaboleia.com.br

A sua participação é muito importante para debatermos os retrocessos causados pela nova lei que regulamenta a profissão de motorista.

Redação Chico da Boleia

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