Rodovias federais têm mais de três mil pontos vulneráveis à exploração sexual de menores
Dados do Projeto Mapear, da Polícia Rodoviária Federal (PRF), revelam que 60,5% desses locais se encontram em áreas urbanas
Redação Chico da Boleia
O mais recente levantamento do Projeto Mapear, da Polícia Rodoviária Federal (PRF), aponta que houve um aumento de 47% dos pontos vulneráveis à exploração sexual de crianças e adolescentes nas rodovias federais do país, no biênio de 2019/2020. No período, foram identificados 3.651 pontos vulneráveis, sendo que no biênio anterior a entidade registrou 2.487 alvos.
Desse total, a PRF revelou que 60,5% encontra-se em áreas urbanas, ou seja, de 6 a cada 10 pontos, o acesso aos menores é facilitado devido a localidade. Com relação ao que a polícia determina como “logradouro”, 44% dos pontos vulneráveis estão em postos de combustíveis às margens das rodovias, totalizando 1.607.
“Assim como nos levantamentos passados, este indicador demonstra que as áreas
urbanas trazem maior facilidade no acesso de crianças e adolescentes, desmistificando a ideia de que o crime tem sua incidência em locais afastados e de difícil acesso”, aponta o documento.
Mas o que são pontos vulneráveis? De acordo com o Projeto Mapear, são trechos perigosos para os menores de idade que vivem ou passam pela região, na maioria dos casos às margens das rodovias, tendo como locais que mais oferecem risco: postos de combustíveis, bares, casas de show, áreas de repouso de caminhoneiros, dentro outros.
Ainda de acordo com o levantamento, a PRF resgatou, desde 2003, 4.876 menores em situação de vulnerabilidade nas rodovias. A entidade ainda passou a desenvolver e contabilizar as ações preventivas e repressivas em 2017: até o último levantamento, 51.355 pessoas foram alcançadas, sendo estas consideradas potenciais disseminadoras das orientações dadas pela polícia no enfrentamento a exploração sexual de crianças e adolescentes.
Os dados revelam também que houve redução de 0,4% dos pontos críticos no biênio de 2019/2020, com a identificação de 470 locais. “Vale ressaltar que os pontos críticos são os locais que reúnem maiores fatores de vulnerabilidade em uma rodovia federal. O trabalho preventivo e repressivo realizado pela PRF ao longo dos últimos 10 anos contribuiu para tendência constante de redução desses alvos”.
“Dentre as consequências do envolvimento com a exploração sexual podemos citar o comprometimento do desenvolvimento físico, psicológico e social e o maior risco de serem contaminados por doenças sexualmente transmissíveis (DST), como AIDS, além de usarem bebidas e drogas. Muitas vezes menores de idade deixam de frequentar a escola, engravidam e assumem comportamentos que podem colocar sua vida em perigo, com alto índice de tentativa de suicídio”, revela o projeto.
Pontos vulneráveis x pontos críticos
O levantamento destaca que a região com mais pontos vulneráveis é a nordeste, com 1.079 trechos. Em seguida vem o Sul, com 896; depois o Sudeste, totalizando 710 pontos; Centro-Oeste, somando 531 locais; e, por fim, o Norte, com 435.
Segundo o Mapear, o aumento do número de veículos circulando e o crescimento do número de estabelecimentos formais e informais às margens das rodovias federais são fatores sociais que não estão ligados diretamente com a exploração sexual de crianças e adolescentes, mas influenciam na vulnerabilidade e no número de pontos levantados no MAPEAR.
“A questão ‘aglomeração/estacionamento de veículos em trânsito’ contida no levantamento reflete na quantidade de veículos que circulam pelas rodovias, assim como na quantidade de estabelecimentos às margens das rodovias, o que pode impactar no número de pontos vulneráveis”, revela o documento.
Entretanto, o número de pontos críticos diminuiu: os quais oferecem mais riscos a exploração sexual de menores.
Com relação aos estados com mais pontos críticos, a Bahia ocupa o primeiro lugar. Em segundo está Goiás, seguido do Pará e Minas Gerais, e por fim, o Ceará.
Segundo o estudo, a BR-116 ainda é a rodovia federal com o maior número de pontos críticos, mesmo com uma diminuição de 30% dos mesmos em relação ao biênio passado.
“É importante destacar que a exploração sexual de crianças e adolescentes é um crime com grande capacidade de migração. A ação criminosa pode se mover para outros pontos da mesma rodovia, para outras rodovias ou até mesmo para fora da área de atuação da PRF, sendo esta última possibilidade a mais observada”, reforça o levantamento.
Especialista explica como identificar casos de abuso e exploração sexual de menores
Professora do curso de Psicologia da Estácio e psicóloga do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (DEGASE), Izabela Saraiva conta que, na maioria dos casos, as violências sexuais acontecem dentro do ambiente familiar ou doméstico da população infanto-juvenil. Ou seja, muitas vezes a violência e o abuso estão atreladas às relações afetivas e pessoais dessas crianças e adolescentes, nos espaços que deveriam ser locais de segurança e cuidado.
“É dever de todos nós a proteção e a promoção de saúde de crianças e adolescentes. Todos devem estar atentos a sinais de mudanças no comportamento ou humor, que podem ser indícios de situações de violência. Ao mesmo tempo, cotidianamente, devemos combater os discursos que produzam a sexualização da infância e da adolescência, nos responsabilizando para não dispersar ou reproduzir falas e ações que coloquem esse público como objeto de intervenção, pois crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e devem ter as necessidades de cada fase do desenvolvimento respeitadas, integralmente”, adverte a profissional.
Após a identificação da violência, é essencial a denúncia e a busca pelo acolhimento da criança e do adolescente vítima. A professora da Estácio observa que, do ponto de vista psicológico, o acolhimento profissional é relevante, uma vez que possibilita a reflexão da vítima, a fim de evitar traumas ou minimizar danos consequentes da violência sofrida.
“Abusos ou explorações sexuais podem gerar um sujeito permeado pelo medo, pela vergonha, pela ansiedade ou que irá apresentar mais tarde quadros de depressão ou dificuldades em suas relações sociais, sendo impossível mapearmos os desdobramentos da violência se não houver algum tipo de ajuda psicológica para essas vítimas. O combate à violência, ao abuso e à exploração sexual depende de todos nós, bem como o respeito e o acolhimento às nossas crianças e adolescentes”, aponta Izabela.
Como denunciar
O Governo Federal dispõe de um telefone, o Disque 100, para denúncias anônimas de qualquer violação de direitos, incluindo situações que envolvam violência sexual contra crianças e adolescentes. Além disso, as denúncias podem ser feitas aos órgãos policiais, como o 190 da Polícia Militar, e o 197 da Polícia Civil, e aos Conselhos Tutelares em cada município, que devem apurar e, quando confirmadas, encaminhá-las ao Ministério Público.
Sobre a campanha Maio Laranja
Maio Laranja é uma campanha dedicada ao combate do abuso e da exploração sexual de crianças e adolescentes. Durante todo o mês, são realizadas ações de conscientização e de enfrentamento contra tal prática, assegurando a proteção das vítimas.
Segundo o Ministério do Trabalho, “A exploração sexual comercial de crianças e adolescentes constitui relação de trabalho ilícita e degradante, de acordo com o art. 3°, alínea “b”, da Convenção 182, da Organização Internacional do Trabalho, em vigor no território nacional por meio do Decreto Legislativo nº 178/1999, que classifica a atividade como uma das piores formas de trabalho infantil”.
Além da gravidade do crime, a prática destrói a dignidade e o futuro de milhares de crianças e adolescentes em todo o país, deixando sequelas irreversíveis. Infelizmente, as vítimas, em sua maioria, se enquadram num perfil de vulnerabilidade socioeconômica, característicos de regiões nos quais a pobreza e a desigualdade social predominam.
*Com informações do Projeto Mapear
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