Saída do único diretor com mandato fixo impede ações da ANTT

Foto: Daniel Ferreira/CB/D.A Press

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A aposta do governo nas concessões rodoviárias para destravar o crescimento do país enfrenta um obstáculo nada trivial: os desfalques de recursos humanos da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), responsável, entre outras coisas, pela fiscalização das estradas sob concessão. É um problema que afeta o órgão de alto a baixo, incluindo a cúpula e todo o corpo técnico.

No próximo dia 18, encerra-se o mandato do diretor Jorge Bastos. Seria um evento corriqueiro na administração pública não fosse o fato de que ele é o único dos quatro diretores da agência com mandato de fato, depois de sabatina e chancela do Senado Federal. Os outros três executivos em atuação foram nomeados provisoriamente, por meio de portaria, em março de 2012. Um quinto cargo semelhante está vago.

Graças à condição privilegiada entre os pares, o nome de Bastos é usado em outra gambiarra institucional: é o diretor-geral em exercício, já que ninguém foi indicado para a função desde que o governo sofreu uma das maiores derrotas políticas no Congresso: o veto, naquele mês de março, à recondução do então comandante da agência, Bernardo Figueiredo.

Todos os interinos contrariam a Lei nº 10.233, de 2001, que criou a ANTT. De acordo com o texto, “os membros da diretoria serão brasileiros, de reputação ilibada, formação universitária e elevado conceito no campo de especialidade dos cargos a serem exercidos e serão nomeados pelo presidente da República, após aprovação pelo Senado Federal”. Não se faz exceção nem mesmo nos casos de vacância do posto.

A defasagem na equipe operacional não é menos preocupante. “Entre todas as agências reguladoras, a ANTT é a que está mais distante do que seria necessário em termos de pessoal. Nem mesmo os quadros previstos na lei de criação dela foram completados até hoje”, critica João Maria Medeiros, presidente do sindicato que representa todos os funcionários do sistema regulatório, o Sinagências.

De acordo com informações da própria ANTT, das 1.705 vagas de trabalho que há na autarquia, 734 seguem sem ocupação, o que representa 43% do total. A situação é pior na tropa de elite do órgão regulador, os especialistas em regulação, entre os quais a vacância representa 56,4% (leia quadro ao lado). É um contraste com a Agência Nacional de Cinema (Ancine), na qual quase todo o quadro de pessoal está completo.

A escassez de gente já foi mais grave. Houve uma ligeira melhora após a realização de um concurso, no ano passado, para 135 postos: 27 de analista e técnico administrativo e 108 de especialista e técnico em regulação. Para agravar a já delicada situação, a faixa etária dos servidores é elevada. Muitos deles vieram de outros órgãos, já que a criação da agência é de 2001.

O envelhecimento da carreira foi apontado no ano passado, em um estudo feito para a Casa Civil pelo professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB) James Giacomoni. De lá pra cá, as coisas mudaram pouco. Segundo a agência, a distribuição dos funcionários do quadro por faixas etárias é a seguinte atualmente: 21 pessoas entre 41 e 50 anos; 71 trabalhadores de 51 a 60 anos; e 52 acima de 61 anos.

Qualidade ameaçada

O quadro defasado da agência pode significar uma pedra ainda maior no sapato do governo. Segundo a ANTT, 200 servidores são responsáveis pela fiscalização das rodovias concedidas à iniciativa privada — um total de 9.488km entre os contratos já firmados ou prestes a serem assinados, uma vez que os resultados dos certames foram divulgados. Em 31 de janeiro último, a presidente Dilma Rousseff anunciou, em cerimônia no Palácio do Planalto, mais um pacote de privatizações, de 2.600km, dos quais 2.282km devem ser duplicados.

Para Paulo Fleury, diretor do Instituto de Logística e Supply Chain ILOS), não será possível conseguir o cumprimento da qualidade e dos prazos nas concessões sem uma fiscalização rigorosa. “Os empresários querem maximizar o retorno. Se não houver exigência, não vão fazer”, resume. Fleury, que é também professor da Coppead, escola de negócios da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), avalia que as carências, ainda que mais graves na ANTT, são um problema geral das agências reguladoras. “É uma questão ideológica. Lula disse, no começo de seu primeiro mandato, que elas eram a privatização da administração pública. Eles estão aprendendo. Mas não sei se houve convencimento. Acho que é um sapo que decidiram engolir.”

O diretor do Centro de Estudos em Regulação da Universidade de Brasília (UnB), Paulo César Coutinho, lembra que as agências, no geral, não cumpriram o objetivo inicial de despolitizar a atividade de regulação e fiscalização, antes concentradas nos ministérios. “O objetivo de criá-las era retirar o envolvimento político nas decisões dos setores de infraestrutura, que requerem investimentos de longa duração. Não dá para deixar que ramos como energia, rodovias, portos e aeroportos, que demandam investimento vultosos, fiquem ao sabor de interesses políticos de curto prazo, porque isso não dá segurança aos investidores”, comenta. “Mas essa proposta foi desvirtuada no Brasil. Hoje, os cargos de direção nesses órgãos funcionam como barganha, com a indicação de partidos aliados”, completa.

Novos servidores

Medeiros, do Sinagências, diz ter requisitado ao Ministério do Planejamento, no início do ano passado, a chamada de mais 80 pessoas do processo seletivo anterior. A resposta foi negativa. Com a realização de mais um certame, em meados de 2013, que nem de longe preencheu todas as vagas, o sindicato decidiu voltar à carga, em novembro. Ainda não houve resposta.

A própria Controladoria-Geral da União (CGU), em relatório de julho de 2013, já constatava que o “último concurso público autorizado pelo Ministério do Planejamento não é suficiente para atender a lotação estabelecida para a agência, em contraponto ao aumento significativo de responsabilidade em função das novas concessões rodoviárias e ferroviárias”.

Além disso, mesmo com as deficiências no quadro, a ANTT tem 35 funcionários públicos cedidos a outros órgãos. No relatório, a CGU chega a ressaltar a “pertinência do retorno dos servidores requisitados, devido à insuficiência da força de trabalho da agência”. Afirma ainda que os trabalhadores foram emprestados “sem o devido enquadramento em lei específica ou sem fundamentação adequada”.

Não é só uma questão de números, porém. Para o advogado Fernando Marcondes, especialista em infraestrutura do escritório L.O. Batista SVMFA, a agência deveria se qualificar melhor — até mesmo antes de pensar em contratar mais gente. Fleury, do ILOS, não tem dúvidas de que falta preparo à ANTT para tocar as concessões. “Vão ter de chamar gente de fora, por meio de consultorias.”

Ironicamente, o próprio governo ataca os erros da agência. Não houve interessados no leilão da concessão para a BR-262. E o ministro dos Transportes, César Borges (PR), culpou o quadro técnico da ANTT por uma resposta sobre a responsabilidade pública e privada da obra. Borges, porém, é uma das razões para a agência seguir com parte da cúpula incompleta. Ele e o partido reivindicam as nomeações. O Planalto resiste. E prefere deixar tudo como está.

Fonte: Correio Braziliense, Por Bárbara Nascimento, Paulo Silva Pinto e Sílvio Ribas

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