Especialista explica porque a mudança alimentar e cultural é a saída para essa ameaça à saúde e avisa: não basta contar calorias
Os números da obesidade crescem assustadoramente. As entidades internacionais falam em epidemia. As pesquisas indicam aumento progressivo. Estudo apresentado recentemente pelo Ministério da Saúde (veja matéria aqui) aponta crescimento de 60% de 2006 para 2016, chegando a um percentual de 18,9% de obesos no Brasil. Some-se a isso os 53,8% que têm sobrepeso e temos índices realmente assustadores.
A Organização Mundial da Saúde tem divulgado informações e realizado pactos com as nações para que elas se comprometam a frear a obesidade – o Brasil assumiu compromisso com metas para serem cumpridas até 2019, para deter o crescimento da obesidade na população adulta (texto aqui). A entidade também alerta que a obesidade infantil atingiu números alarmantes.
Mas como frear essa epidemia de obesidade? Como não ficar obeso? Como cuidar do sobrepeso para não ficar excessivo e prejudicar a saúde? Como deixar de ser obeso?
Em entrevista ao Instituto Lado a Lado pela Vida, o médico pós graduado em adequação nutricional / prevenção doenças relacionadas à idade e cirurgião plástico pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP – EPM), Guilherme Ferreira Takassi, ajuda a entender melhor o que causa a obesidade e o sobrepeso e fala o que cada pessoa precisa fazer para deter essa epidemia mundial.
Há diversas informações sobre ter uma alimentação mais natural, comer menos industrializados, mas será que entendemos realmente o quanto esse hábito de ingerir industrializados é prejudicial e como influencia naqueles quilos a mais dos quais não conseguimos nos livrar?
Para quem acredita que basta contar as calorias, o médico avisa: vai muito além de um somatório de números. E nesse tema não devem ser considerados apenas os pesos a mais, mas a saúde, afetada pelo consumo de alimentos industrializados. “O problema é muito maior do que estar acima do peso”, avalia o médico. Aos que argumentam que a quantidade de conservantes e corantes é pequena, ele lança a pergunta: “Se oferecem veneno diariamente a você, em uma dose baixa, você vai consumir?”.
Lado a Lado: Por que vivemos uma epidemia de obesidade?
Guilherme Takassi: Nosso organismo desenvolveu-se com a seleção natural; estava acostumado a se alimentar de vegetais, hortaliças, animais, alimentos de verdade. Entramos em um período que deixamos de nos alimentar de tudo isso porque é mais fácil. A pergunta que sempre faço é: “você acha que é normal enquanto uma comida natural, que você compra na feira, se ficar exposta ao meio ambiente estragar em dois, três dias e a comida do mercado ficar no pacote mais de um ano?”. Tem alguma coisa no pacote que não faz bem para a gente. Quando argumentam que a dose de corantes e conservante é baixa, eu questiono: “Se tem uma dose baixa de veneno, só porque é baixa você vai consumir?”.
LAL: Esse aumento de consumos industrializados é o principal responsável pela obesidade e sobrepeso?
Guilherme Takassi: O que a gente tem observado tanto na parte científica quanto epidemiológica é que a epidemia de obesidade começou em 1930, 1940 e vem crescendo de maneira progressiva. E cresceu também nesse período o consumo de alimentos refinados, principalmente derivados de açúcar e xaropes enriquecidos com frutose. Se observarmos o organismo humano, esses dois itens estimulam muito a levar o corpo para um estado pró-inflamatório, com aumento da insulina e mudança do padrão de equilíbrio entre ghrelina e leptina (hormônios que estão relacionados ao controle do apetite).
LAL: O Brasil aceitou o desafio da OMS de frear a obesidade. Como fazer isso?
Guilherme Takassi: A principal atitude é voltar a uma alimentação que foge dos refinados e industrializados. Voltar a uma alimentação com foco em comida de verdade, que compra na feira, e não que vem dentro de pacotes, embalagens. Esses alimentos têm conservantes, corantes, entre outros itens, como o açúcar refinado, que é o grande causador da obesidade.
Você olha para as populações espalhadas pelo mundo e vê: as que mais engordam estão envolvidas com alimentos industrializados – comida que não estraga e leva no pacote. Em regiões interioranas costuma ser diferente. No interior da Europa, por exemplo, dão valor aos hábitos de alimentação que trazem de séculos, alimentação familiar, e nesses locais a obesidade é muito menor. Se comparar, por exemplo, Nova Iorque com o interior da Itália. Em Nova Iorque se consome muito fast food e industrializados em geral, e a obesidade cresce progressivamente.
LAL: Por que a obesidade é um problema?
Guilherme Takassi: Hoje a gente sabe que o sobrepeso passou a predominar e, se continuar nesse ritmo, essa população de sobrepeso vai passar para obesidade grau 1, 2 e 3 e a população que não está vai entrar em sobrepeso. Haverá incidência de obesidade extremamente grande.
O que a gente entende e é fato, está documentado, é que a obesidade está associada ao aumento da morbidade e da mortalidade. Essas pessoas têm tendência maior a ter doenças crônicas degenerativas como infarto agudo do miocárdio, AVC e câncer. E também maior mortalidade por essas doenças.
Em relação à morbidade, chamo atenção para um ponto importante: essas pessoas podem ter infarto agudo do miocárdio. Mas não vão morrer inicialmente – haverá piora na qualidade de vida delas. Provavelmente não vão conseguir realizar mais atividade física; se trabalhava com exigência física, vai deixar de trabalhar. Perde-se mão de obra funcional e qualidade de vida. Pacientes que eram ativos passam a ser pessoas acamadas, de repouso.
O problema é muito maior do que o simples fato de estar acima do peso.
LAL: Como a pessoa fica obesa?
Guilherme Takassi: O principal fator é um distúrbio metabólico causado por esses itens que falamos. A pessoa que se alimenta diariamente com industrializados, tem um distúrbio hormonal no corpo que culmina com um estado chamado de pró-inflamatório, com aumento do hormônio insulina. Antes mesmo de alterar a glicose no sangue a insulina alta leva à mortalidade e à morbidade muito maior do que quem tem insulina normal. Além do açúcar, as farinhas refinadas também influenciam muito nessa via metabólica.
Isso não significa não comer carboidrato – o que faz mal é o refinado. Batata e farinha, por exemplo, são carboidratos totalmente diferentes. A batata tem produção natural; já a farinha é extremamente agressiva. Claro que tudo baseado na medicina individualizada – se a pessoa tem diabetes tipo 2, comer batata pode ser ruim para ela.
LAL: Além de mudar os hábitos alimentares, o que mais uma pessoa que está engordando e quer parar pode fazer?
É preciso também cuidar do sono e praticar atividade física. O sono, entre diversos itens, ajuda a manter o equilíbrio hormonal da testosterona e do hormônio de crescimento. A pessoa com um sono ruim fica com déficit desses hormônios e terá problemas associados a isso.
A testosterona influencia no desempenho do músculo cardíaco. Quem passa a vida com déficit de testosterona passará a vida com menor efetividade no músculo cardíaco. Isso infelizmente é muito comum e associado a problemas como obesidade, temos atualmente a infeliz realidade do aumento progressivo da mortalidade por doenças cardiovasculares.
Para quem não tem problema de saúde nem limitação, o ideal é praticar atividade física pelo menos três vezes por semana, pois terá uma sobrevida muito maior que os sedentários. Não só pelo peso: vai melhorar a saúde cardiovascular, o desempenho hormonal e, consequentemente, terá uma melhor qualidade de vida.
LAL: Em que armadilhas alimentares as pessoas costumam cair que ajudam a aumentar o peso?
Guilherme Takassi: As pessoas hoje focam muito em quantidade de calorias e não na qualidade do alimento. Por exemplo, 1 grama de gordura tem o dobro de caloria de 1 grama de açúcar. Então, tiraram gordura da alimentação e passaram a usar açúcar. Compram alimentos light e diet industrializados simplesmente pelo fato de ter menos calorias e com isso deixam de comer produtos in natura.
Ao comer alimentos com menos calorias às custas da troca da gordura por açúcar refinado, o preço será caminhar em direção ao sobrepeso e à obesidade. O metabolismo vai muito além do que calcular calorias, do que um somatório de números. O organismo humano não funciona como um sistema fechado com temperatura e pressão constantes, por isso as calorias não são a base para a melhora da qualidade de vida das pessoas.
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